A
A
Sair modo imersivo
1910-1919: Quebra agrícola, Guerra e pandemia: a tempestade perfeita
A monarquia deixou de herança desequilíbrios orçamentais que a instabilidade política e social agudizou. Numa economia profundamente agrícola, as más colheitas em 1912-13 iniciam uma recessão. A Guerra, que começou em 1914, acentuou dificuldades de abastecimento e travou a emigração. A década não acabaria sem uma pandemia da gripe pneumónica.
7 min
Acessos rápidos
Documentos
1910-1919: Quebra agrícola, Guerra e pandemia: a tempestade perfeita

A República portuguesa dava os primeiros passos, depois da revolução de outubro de 1910 que pusera fim à monarquia. O jovem regime avançava entre uma prolongada instabilidade política e económica e tinha herdado desequilíbrios orçamentais da gestão régia, que nunca se recompusera do incumprimento nos pagamentos da dívida soberana de 1891.

Portugal era, por esta altura, uma economia pobre, pouco desenvolvida, profundamente rural e muito fechada ao exterior. As exceções eram, do lado das exportações, as conservas e o vinho do porto. Nas compras ao exterior, assumiam principal importância o trigo, do qual o país dependia para a alimentação, e o carvão, fonte de energia para a incipiente indústria.

Os censos de 1911 faziam um retrato setorial revelador: 62% da mão-de-obra estava ocupada na agricultura, muitas vezes em regime de autossubsistência. A indústria - assumida aqui num sentido lato que engloba, por exemplo, pequenos artesãos - empregava apenas 22% da população ativa e os serviços absorviam os restantes 16%.

É este país, social e economicamente atrasado, politicamente instável e a braços com sucessivas crises de governação, que vai mergulhar num longo período de crise, que mais tarde será aprofundado pela Primeira Guerra Mundial e pela Gripe Pneumónica.

A crise viria a durar seis anos e teve múltiplas causas ao longo deste período. A instabilidade política e as dificuldades orçamentais que já vinham de trás tornavam a economia frágil. Isto verifica-se não só na produção, mas até na sua medição, pois muitas das estatísticas nacionais eram produzidas com anos de atraso e, durante a guerra, a recolha de alguns dados foi interrompida. Por isso, há quebras e omissões em muitas das séries desagregadas que o Comité usa para datar o ciclo

 
A crise que nasceu da terra

Um primeiro declínio da produção em 1912 teve origem no setor da agricultura, que tinha um grande peso na economia portuguesa. Condições naturais adversas do ano agrícola de 1912-13 levaram a uma quebra na produção do vinho e do trigo, assim como na de outros cereais. Na produção vinícola, 1913 é um ano em que pragas e trovoadas conduziram a quebras avultadas na produção de vinho do Porto, que era uma importante exportação.  Na produção de azeitona, não há dados fiáveis disponíveis entre 1912 e 1914, mas há um pico de produção em 1911. Tendo em conta o ciclo regular de safra e contrassafra da azeitona - a um ano de boas colheitas segue-se outro de produção muito mais reduzida -, é previsível que 1912 tenha sido um ano de possível contração.

Mais tarde, entre 1915 e 1918, a produção de vinho registou uma estagnação, ligada a anos de fraca pluviosidade e à dificuldade em importar adubos e pesticidas durante a Guerra. Na azeitona, a expansão de 1917 dá lugar e uma contração no ano seguinte.

PIB Real Agregado Segundo Duas Séries

 
E depois veio a Guerra

Foi neste contexto de economia enfraquecida que a 28 de julho de 1914 se dispararam os primeiros tiros da I Guerra Mundial no centro da Europa.

O início do conflito contribuiria para mais um acentuado declínio na produção a partir de 1915. Depois de uma ligeira recuperação em 1916, a economia entrou em acelerada queda, que coincide com os dois anos em que Portugal esteve ativo na frente europeia da Guerra: 1917 e 1918. Os primeiros 30 mil soldados portugueses zarparam de Lisboa em janeiro de 1917. No total, o efetivo militar mobilizado superou aos 100 mil homens, equivalente a mais de 3% da população ativa.

A economia de guerra em Portugal traduziu-se em sérios constrangimentos à atividade económica.

O esforço de guerra colocou um grande peso nas finanças públicas sem que, do outro lado, tenha resultado um estímulo na procura pelas indústrias nacionais, com exceção das conservas.

Com o encerramento das fronteiras, os trajetos marítimos ficaram inoperacionais pela ação dos submarinos alemães e as rotas terrestres para o Norte e Centro da Europa foram interrompidas pela ocupação germânica de França.
Portugal dependia da importação do carvão para o aquecimento e para a indústria, assim como da importação do trigo, necessário para a produção de pão. A pesca do bacalhau tornou-se também impossível.

O governo proíbe a exportação de carvão e de certos géneros alimentícios, num intervencionismo até então pouco habitual. E, em abril de 1915, os preços de géneros alimentares essenciais foram tabelados por comissões concelhias.

Mas o impacto no abastecimento de produtos de primeira necessidade não foi evitado. Há relatos de frequentes assaltos a padarias e mercearias, que provocaram mais de 40 mortos. A escassez de alimentos motivou a Revolta da Batata, em maio de 1917, no seguimento de uma subida repentina de preços.

Nesse ano, houve greves na construção civil, nos correios e nos telégrafos. De um modo geral, greves, motins e assaltos aumentaram entre inícios de 1916 e fins de 1917.

Em 1917, criou-se o Ministério da Agricultura, com um programa de incremento da produção e produtividade agrícolas que tentou formar cooperativas agrícolas para cultivo em baldios e terras em pousio e facultar sementes e adubos aos produtores.

Movimento Portuário

A Primeira Guerra Mundial levou a uma forte redução do comércio marítimo, que era a principal via de trocas com o exterior. O declínio da movimentação nos portos nacionais foi notória.

 
A válvula de escape que não havia

Além do impacto no comércio externo e no abastecimento de matérias-primas, o condicionamento na mobilidade das pessoas levou a uma diminuição da emigração, válvula de escape para as más condições agrícolas na altura. Desde a instauração da República até ao eclodir da Grande Guerra, a emigração aumentou rapidamente, atingindo um máximo em 1912 de quase 100 mil pessoas (entre registos oficiais e estimativas), tendo como principais destinos o Brasil e os Estados Unidos. A partir daí, a saída de portugueses para o exterior caiu drasticamente, adensando a tensão social que atravessou todo este período, com o desenvolvimento do movimento operário, as manifestações contra a inflação e dissidências políticas de várias ordens.

O descontentamento da população traduziu-se numa forte instabilidade política. Entre janeiro e maio de 1915, o Parlamento esteve suspenso e foi criado um governo de iniciativa presidencial, conhecido como a ditadura de Pimenta de Castro. Vários governos se sucederiam até ao triunfo da revolta militar liderada por Sidónio Pais, em dezembro de 1917, que instaurou um regime presidencialista de teor ditatorial. Este duraria um ano, até ao assassinato do seu líder.

Com o fim da guerra, a abertura das fronteiras permitiu reatar os abastecimentos e escoar a produção, levando a uma recuperação da atividade económica. No entanto, a economia continuou deprimida na primeira metade dos anos 20.

O impacto económico da guerra foi distinto na economia nacional: enquanto nas economias americana, inglesa ou alemã as despesas militares recaíam sobre armas e fardas, o que estimulava a produção nacional, em Portugal pouco armamento era produzido, e os pagamentos associados à despesa militar iam para o exterior. Estes eram maioritariamente financiados através de crédito do Banco de Inglaterra. A maior fatia dessas despesas representava salário dos militares, que não estimulava o consumo em Portugal.

O fim da guerra também não trouxe paz social. A persistência de situações de escassez, os preços elevados em certos bens essenciais e o deflagrar da gripe pneumónica continuaram a agravar as condições de vida no país. Entre meados de 1918 e meados de 1920, a pandemia vitimou mais de 100 mil portugueses em três vagas.

A mortalidade e os períodos de convalescença dos infetados contribuíram para o irregular funcionamento de fábricas e repartições públicas.

Como grande cicatriz da I Guerra fica uma instabilidade financeira e orçamental sem par na história portuguesa.

Os elevados défices trazidos pela Guerra foram pagos com a emissão de dívida. Em 1918, essa monetização foi prevista num decreto-lei que rege o Banco de Portugal e levou a uma forte subida da inflação. As pressões inflacionistas foram comuns à generalidade dos países no conflito, contribuindo para uma relativa estabilização da taxa de câmbio em relação à libra esterlina. A I Guerra Mundial destruiu a tendência nacional e internacional de estabilização em torno do padrão-ouro.

Emigração População ativa 

A emigração era uma válvula de escape das más condições agrícolas na altura. Desde a instauração da República até ao eclodir da Grande Guerra, a emigração aumentou rapidamente, atingindo um máximo em 1912 de quase 100,000 indivíduos, tendo como principal destino o Brasil.

 
O início da guerra perturbou os abastecimentos internacionais, agravando os efeitos da crise agrícola.
Professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
video thumbnail
As recessões de 1910-1919 vistas por Nuno Valério, professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
Portuguese, Portugal