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«O mundo está a entrar em águas nunca antes navegadas no que diz respeito ao envelhecimento.»

«O mundo está a entrar em águas nunca antes navegadas no que diz respeito ao envelhecimento.»

Excerto da entrevista ao Expresso de David Bloom, um dos demógrafos mais conceituados a nível mundial e que estará em Lisboa para a Conferência «Quem somos?», que assinala os 10 anos da PORDATA.
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«Somar anos à vida, acrescentar vida aos anos» é uma entrevista de David Bloom ao Jornal Expresso (8/02/2020).

«O mundo está a atravessar uma profunda revolução demográfica, e o primeiro grande fator desta convulsão é o aumento da longevidade. Durante a maior parte da história da Humanidade, vivia-se em média 25-30 anos. Mas a partir de 1950, esse foi praticamente o salto registado na esperança média de vida global, que passou de 46 para 73 anos. E estima-se que continue a crescer. Na segunda metade deste século deverá mesmo ultrapassar os 100 anos, em alguns países. 

Os ganhos na longevidade são uma conquista colossal, reflexo da melhoria da alimentação, do desenvolvimento da medicina moderna e de inovações na saúde pública, como a vacinação infantil, o acesso a água potável e o saneamento. Resta saber se estamos apenas a somar anos à vida ou se conseguimos acrescentar vida aos anos. 

O segundo aspeto da revolução demográfica é a queda nas taxas de fertilidade, outra mudança extraordinária que resulta dos baixos níveis de fertilidade desejada e do advento da contraceção. Em 1950, a nível mundial, cada mulher tinha, em média, cinco filhos. Hoje, o número caiu para 2,5. Este fenómeno libertou centenas de milhões de mulheres de anos de responsabilidades com a criação de filhos, permitindo-lhes uma maior participação no mercado de trabalho e melhores padrões de vida. (...)»

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Entrevista no Expresso

« (...) O terceiro aspeto da revolução demográfica está relacionado com a dimensão e o crescimento da população. Foram necessários mais de 99% da História da Humanidade (até ao início do século XIX) para atingir uma população mundial de mil milhões de pessoas. Mas desde 1960 o mundo regista um crescimento de mais mil milhões a cada uma ou duas décadas, atingindo os seis mil milhões por volta do ano 2000 e com projeções de chegar aos 10 mil milhões antes de 2060. 

O crescimento rápido da população coloca sérios desafios à satisfação das necessidades básicas de um número cada vez maior de pessoas, a sua integração em empregos produtivos e a proteção ambiental. 

Mas a velocidade a que está a aumentar a população mundial tem vindo a diminuir. Atualmente, a taxa de crescimento é metade da que se registava no final da década de 1960 (cerca de 2%) e deve cair novamente para metade. Por isso, as preocupações em torno do rápido aumento da população mundial diminuíram e já não existem à escala global, focando-se apenas em alguns países, especialmente na África subsariana, a região mais pobre do mundo. 

De facto, quase todo o crescimento projetado para as próximas décadas vai ocorrer em países de baixo e médio rendimento. E isso gera uma enorme preocupação, porque estes países tendem a ser menos robustos do ponto de vista político, social, económico e ambiental. 

Em quarto lugar, o mundo está a viver um aumento acentuado da população em áreas urbanas. Entre 1950 e 2020, a percentagem passou de 30% para 56% e estima-se que chegue a 68% em meados deste século. Não é consensual se esta mudança traz ou não benefícios. Há especialistas que enfatizam as vantagens económicas associadas à disponibilidade de grandes quantidades de mão de obra e ao crescimento do mercado. Outros destacam a pressão que enormes populações urbanas colocam aos recursos naturais e o facto de cerca de mil milhões de pessoas viverem em condições de miséria absoluta.»

Por fim, o mundo está a entrar em águas nunca antes navegadas no que diz respeito ao envelhecimento. Mais de 700 milhões de pessoas têm 65 anos ou mais. Até 2050, esse grupo etário terá mais mil milhões de pessoas, devido ao aumento da longevidade e de cada vez mais pessoas atingirem essa idade.

«O Japão tem atualmente a população mais envelhecida do mundo, mas até 2050 várias dezenas de países terão uma percentagem de idosos maior do que a que o Japão tem agora. O grande problema é que não temos exemplos históricos para perceber todas as implicações do envelhecimento e conseguir tirar proveito das oportunidades. 

Sabemos, ainda assim, que o envelhecimento trará inúmeros desafios, incluindo escassez de mão de obra e de capital, desaceleração do crescimento económico e pressão sobre o sistema fiscal e de segurança social. 

Felizmente, temos várias respostas naturais e opções de políticas para enfrentar o desafio. 

Por exemplo, falamos frequentemente sobre o aumento da idade da reforma, a alteração das contribuições para a segurança social e para o sistema de saúde, maiores taxas de poupança para períodos mais longos de reforma, maiores investimentos na saúde e na educação como forma de aumentar a capacidade produtiva da população, inovações em saúde relacionadas com a prevenção e deteção precoce de doenças e renovação e requalificação de competências por parte dos trabalhadores mais velhos e a sua transferência para empregos menos exigentes fisicamente e com maior flexibilidade de horário. 

No fim de contas, o quadro demográfico é realmente complexo e coloca gigantes desafios. Não diria que esses desafios não têm solução, mas temos de lidar com eles. E não continuar a enfiar a cabeça na areia, negligenciando aspetos como a reforma da segurança social, o desenvolvimento de uma política global de imigração, a resposta a uma necessidade até aqui não atendida de contraceção e planeamento familiar para centenas de milhões de mulheres, além do gigantesco desfasamento que existe no domínio da saúde entre o conhecimento e a capacidade de o pôr em prática, ao serviço das populações.»

É simplesmente irresponsável ficar de braços cruzados enquanto os perigos da revolução demográfica atingem com toda a força a Humanidade.

A entrevista no Expresso pode ser consultada na íntegra aqui (conteúdo exclusivo para assinantes).

Conferência «Quem somos?», dia 12 de Fevereiro de 2020, que assinala os 10 anos da PORDATA. A lotação está esgotada mas pode assistir em directo, a partir das 16h, aqui. Conheça o programa completo e junte-se ao debate!

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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Portuguese, Portugal