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Crise, crises, etc.

Crise, crises, etc.

Carlos Leone explica o âmbito do seu ensaio para a Fundação: 'Crise e Crises em Portugal'
3 min
Poucas palavras terão tanto uso no nosso quotidiano como crise. Tornou-se um lugar-comum e perdeu a sua carga original.

 

O que foi inicialmente um termo grego para nomear o momento de viragem num processo importante (o instante em que um doente responde bem ao tratamento ou, pelo contrário, sucumbe à doença), tornou-se algo muito diferente na nossa experiência comum. Anteriormente, era um evento singular e marcava uma viragem, uma resolução ou modificação radical dos termos de um problema, e tanto podia ser privada e individual como pública e colectiva. Ao contrário da crise da Antiguidade, a nossa é múltipla e espectacular. Todos os dias conhecemos a crise no seu modo actual: espectacular, com drama e estrondo, não como solução mas precisamente como tensão, não como momento mas como um estado.

Por isso falamos hoje mais em crises do que em crise. A crise política e a crise económica, a crise de meia idade e a crise dos resultados desportivos, a crise humanitária e a crise de valores, num longo elenco que é demasiado familiar. As crises atropelam-se umas às outras em busca da nossa atenção. Umas voltam mais ou menos ciclicamente, outras são retumbantes e desaparecem sem deixar rasto, mas possuem, em comum, uma distância face ao acontecimento de crise tal como concebido na antiguidade: são frequentes ao ponto de serem quase banais.

Umas [crises] voltam mais ou menos ciclicamente, outras são retumbantes e desaparecem sem deixar rasto, mas possuem, em comum, uma distância face ao acontecimento de crise tal como concebido na antiguidade: são frequentes ao ponto de serem quase banais.

Esta quase banalidade cria, ainda, uma atmosfera de crise indefinida, um mal-estar generalizado. Por isso, por muitas abordagens que se façam, nenhuma esgota o tema. Pode abordar-se a crise pelo registo dominante hoje, económico (como em Crise e Castigo, na FFMS) ou pela dinâmica sociológica (a crise da família, nesta colecção), mas nenhuma abordagem parcelar dá conta do conjunto – até porque o conjunto é difícil de conceber.

Este ensaio dedica-se sobretudo à relação entre estas variações do tema (crise, crises, ambiente de crise) e a alguns termos relacionados com crise – crítica, por exemplo, outro termo de sucesso muito ambíguo. A terminar, nas páginas sobre Portugal, mais do que propor mais uma «explicação» e uma outra «saída» para a crise com que nos debatemos (mesmo quando conhecemos invulgares momentos de entusiasmo nacional), o texto serve-se da liberdade que o formato «ensaio» permite, descrevendo o ambiente de crise em forma de diálogo, lendo a nossa História como uma série de crises (segundo Luciano Amaral) e imaginando o que poderia ser uma crise portuguesa em sentido próprio. Mas detém-se aí, por não ser um ensaio dedicado a Portugal nem pretender ter um qualquer remédio para crises. Serve para pensar um termo que se usa com grande facilidade e não pretende mais, tal como este artigo termina aqui, servido o propósito deste blog.

O ensaio 'Crise e Crises em Portugal' está disponível na loja online da Fundação. Vai ser apresentado no dia 14 de Novembro, às 18:30, na FNAC Chiado.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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