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Imagem de um pinheiro, carregado de pinhas

As plantas que fazem o Natal

Quando surgiu no país a primeira árvore de Natal? E porque usamos musgo e outras plantas nos presépios? O biólogo Luís Mendonça de Carvalho conta-nos oito curiosidades sobre as plantas que fazem as tradições, sabores e cheiros desta época festiva.
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O Natal é um período no qual antigas tradições se renovam e muitas incluem a presença de plantas, como durante a consoada. Tomando como exemplo o familiar bolo-rei, introduzido em Portugal no final do século XIX, constatamos que todos os ingredientes, exceto a manteiga (frequentemente substituída por margarida vegetal) são matérias-primas derivadas de plantas, tal como acontece com muitas preparações natalícias, entre as quais, broas, filhós ou sonhos, que se colocam sobre as mesas.

Todas as regiões do nosso país têm tradições culinárias próprias do Natal, com o Bolo Santa Eulália, em Águeda, as Broas Castelar, feitas com batata-doce e típicas de Lisboa, ou os bilharacos de Aveiro, feitos com abóbora, as azevias alentejanas ou os formigos minhotos e transmontanos. Em todas estas preparações, as plantas são os ingredientes principais.

O marido de Dona Maria II tinha origem germânica e trouxe consigo tradições da sua infância, que incluíam não só a árvore, mas vestir-se de Pai Natal (São Nicolau) e distribuir ofertas às crianças.

Quando evocamos este período, também recordamos as árvores de Natal que, frequentemente, ocupam um lugar central nos espaços, familiares ou públicos, onde decorrem as celebrações. Em Portugal, a árvore de Natal, tal como hoje a conhecemos, terá sido introduzida durante o reinado de Dona Maria II (1819-1853) e do seu esposo, Dom Fernando II (1816-1885). O rei tinha origem germânica e trouxe consigo tradições da sua infância, que incluíam não só a árvore, mas vestir-se de Pai Natal (São Nicolau) e distribuir ofertas às crianças.

A cidade de Guimarães, no final do mês de novembro e início de dezembro, é palco de uma tradição antiga que também inclui um pinheiro. A árvore, recém cortada, entra na cidade em triunfo, transportada por carros de bois e acompanhada por música e júbilo – são as Festas Nicolinas, em honra de São Nicolau de Mira (ou de Bari) que inspirou a representação do ‘Pai Natal’.

Dois dos presentes oferecidos pelos reis Magos têm origem vegetal: o incenso e a mirra.

Em algumas zonas de Portugal, o presépio constrói-se sobre musgos e junto a ele colocam-se as ‘searas’, ou seja, vasos com sementes de rápido crescimento, como o trigo ou a cevada, que cumprem a função ancestral de solicitar, ao divino, ‘boas colheitas’, sempre determinantes na estabilidade das sociedades.

A representação da Natividade é comum ter como elementos essenciais, para além da ’Sagrada Família’, os Reis Magos, que a tradição católica fixou como sendo três, embora esta informação não esteja presente na Bíblia, onde se refere apenas três ofertas, duas das quais de origem vegetal – o incenso e a mirra.

A Bíblia não refere por que razão foram estas as ofertas, contudo, durante o século III, o teólogo cristão Orígenes de Alexandria propôs uma explicação que se adotou como canónica, na qual o incenso aludiria à natureza divina de Cristo e a mirra à sua condição humana, já que a mirra era um símbolo de morte e sofrimento, com a qual se ungiam os defuntos. O ouro simbolizaria a sua condição régia, como rei dos Judeus.

 

Com o aproximar do Natal em Penamacor, os jovens em idade de ‘tirar ou ir às sortes’, ou seja, de cumprir o Serviço Militar, rumam aos bosques para cortar e transportar sobreiros e carvalhos em fim de vida

Em Aldeia Viçosa, freguesia do Concelho da Guarda, existe uma tradição que remonta ao século XVII e que se pratica na manhã do dia 26 de dezembro – o Magusto da Velha. Reza a lenda que uma senhora idosa e muito abastada, legou bens à Igreja da Vila do Porco (antigo nome de Aldeia Viçosa), para que se distribuísse vinho e castanhas à população numa data estabelecida.

Cumprindo a tradição, a Junta de Freguesia incube-se de comprar cerca de 150 kg de castanhas e 150 L de vinho. As primeiras são lançadas da torre sineira da igreja local, enquanto os sinos repicam e a população corre a recolhê-las. O vinho é distribuído para brindar à memória da senhora da qual não se conhece sequer o nome.

O Madeiro de Penamacor, é uma tradição em honra de Jesus, mas evocativo de antigos rituais pré-cristãos que se celebravam durante os solstícios de Verão e de Inverno, para renovar os ciclos da Natureza, observáveis na duração maior ou menor das noites sobre os dias.

Todos os anos, em Penamacor, com o aproximar do Natal, os jovens em idade de ‘tirar ou ir às sortes’, ou seja, de cumprir o Serviço Militar, rumam aos bosques para cortar e transportar troncos de sobreiros e carvalhos em fim de vida. Estes toros de madeira são depositados no adro da igreja, tentando-se que a fogueira possa ser maior e mais alta que a do ano anterior. A fogueira é ateada na noite de 23 de dezembro (em outras freguesias do concelho acende-se na noite de 24 de Dezembro) e a população concentra-se em seu redor, renovando ancestrais votos fraternos. Estas fogueiras manter-se-ão acesas durante dias, até que se esgote o combustível ou que a chuva as apague.

As ‘estrelas-de-natal’, eufórbias originárias do México, mostram como as tradições não só se renovam, mas se reinventam.

O azevinho, com os seus frutos escarlates, são um elemento clássico da decoração natalícia, embora a colheita na natureza seja proibida, para que se possam conservar os últimos exemplares silvestres. Os ramos frutificados que se vendem no comércio provêm de arbustos cultivados, tal como acontece com os vasos das plantas denominadas ‘cardeais’ ou ‘estrelas-de-natal’, eufórbias originárias do México, introduzidas, recentemente, no nosso período natalício, enfatizando que as tradições não só se renovam, mas também se reinventam.

 

Ao mantermos ou incorporarmos as plantas nas celebrações de Natal, honramos as tradições do passado, mas também ligamos as nossas celebrações à natureza e ao simbolismo profundo das plantas na nossa cultura.

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