A
A
O medo subjetivo que o não é

O medo subjetivo que o não é

Opinião de Pedro Prostes da Fonseca, com base na leitura do novo livro «Criminalidade e Insegurança», de Manuela Ivone Cunha.
3 min

O estigma que representa, na sociedade, a condição de cadastrado deveria merecer uma outra atenção do Estado no complexo submundo que é o criminal. A pessoa que cumpriu pena de prisão e que, depois, “cá fora”, não consegue trabalho, cai facilmente na tentação de voltar a ativar velhos contactos que lhe permitiram chegar facilmente ao dinheiro de forma ilícita.

Este “perdido por cem, perdido por mil”, em Portugal, país onde a taxa de reincidência no crime é das mais altas da Europa, está especialmente relacionado com pequenos furtos. E entronca diretamente na realidade focada no livro Criminalidade e Segurança, agora editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Neste ensaio, de Manuela Ivone Cunha, é citado um estudo do ICVS (International Crime Victims Survey) segundo o qual o nosso país apresenta uma das mais baixas taxas de criminalidade violenta na Europa, mas, ao mesmo tempo, um dos maiores índices no que respeita ao clima de insegurança.

Sempre que, em Portugal, um partido político apresenta uma proposta para “benefício” das condições de vida nas prisões, ou para promover a mediação entre agressores e famílias das vítimas (medida há muito colocada no terreno em muitos países para ajudar a criar um clima de paz social), a sociedade reage em sobressalto e com desagrado. Ao ponto de determinado partido ter-se visto na “necessidade” de, recentemente, retirar esta última medida do seu programa eleitoral.

Se o recluso, em Portugal, continua a ser olhado como um cidadão de segunda, o ex-recluso também. Tenha ele sido detido por um pequeno delito ou por um crime grave.

Nada ajuda a que esta realidade se altere.

Ao clima psicológico citado, junta-se a precariedade de emprego e a falta de empenho da tutela para construir uma arquitetura que permita uma verdadeira reabilitação “dentro de muros”. A violência que pinta o dia a dia prisional apenas contribui para que cresça no recluso a sensação de revolta (em 2016, o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura alertou para o perigo da falta de vigilância nas prisões portuguesas, especialmente na de Lisboa, onde 220 guardas eram responsáveis por 1260 reclusos). O consumo de drogas é caminho para a despersonalização. E o uso e abuso de telemóveis – que seria facilmente resolvido com bloqueio do sinal das operadoras – para a manutenção na vida do crime.

A desmotivação e a corrupção entre os guardas prisionais não podem ser a única explicação para esta sensação de “vale tudo” nas cadeias. Talvez fosse tempo para parar e pensar se os sucessivos governos e a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais têm estado à altura dos enormes desafios que lhes incumbem, a começar por zelar pela segurança dos próprios prisioneiros (nos estabelecimentos prisionais, os abusos de reclusos sobre reclusos ou de guardas sobre reclusos deveriam ser uma exceção quando são norma).

Promover um clima propício, dentro e fora das cadeias, para uma verdadeira reinserção, deveria ser um desígnio nacional. Não só não é, como nunca esteve na agenda das principais preocupações de quem nos governa. O problema tem-se mantido escondido debaixo do tapete. E a sociedade, que não o vê, sente-o – e de forma desproporcionada.

Porque o medo subjetivo é, no fim de contas, um medo objetivo.

Pedro Prostes da Fonseca é autor do livro Vida de Prisão, publicado pela Fundação na colecção de Retratos.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal