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O euro entusiasta apático

O euro entusiasta apático

Os portugueses bem podiam defender o título dos “mais euro entusiastas”, escreve neste artigo Nuno Sampaio.
6 min
Foram divulgados os dados do Eurobarómetro [1] da Primavera 2021 do Parlamento Europeu. E se, à entrada para o Euro 2020, Portugal defendeu o título de campeão europeu de futebol, à saída do Eurobarómetro da Primavera 2021, os portugueses bem poderiam receber o título dos “mais euro entusiastas”.

Esta pesquisa, realizada entre março e abril, embora na esteira dos inquéritos regulares das instituições europeias, reveste-se de particular interesse na medida em que tenta captar o estado da opinião pública um ano após a pandemia. Perante uma das maiores crises e, certamente, um dos acontecimentos mais inesperados da nossa vida coletiva, qual a perceção dos cidadãos dos Estados-membros em relação à resposta dos governos e da UE?

Olhemos, antes de mais, para os dados agregados no conjunto dos 27. Apesar de o relatório apontar para uma redução na perceção do impacto da crise na situação financeira pessoal dos cidadãos quando comparado com os inquéritos realizados em 2020, quase um terço dos inquiridos respondeu que a sua situação financeira foi afetada negativamente e 26% ainda prevê que tal venha a acontecer. Ainda assim, uma maioria de 58% dos inquiridos acredita que os benefícios para a saúde compensam os prejuízos económicos que as medidas restritivas possam causar. Esta é a tendência na maior parte dos Estados-membros e revela uma evolução positiva face ao segundo semestre de 2020, quando uma ligeira maioria dos cidadãos considerava os prejuízos económicos das restrições maiores do que os benefícios para a saúde (o que pode ser explicado pela situação pandémica vivida na Europa no inverno 2020/021)[2].

Uma maioria de 58% dos inquiridos acredita que os benefícios para a saúde compensam os prejuízos económicos que as medidas restritivas possam causar.

Também interessante é constatar-se a tendência de evolução positiva da imagem da União Europeia juntos dos inquiridos do conjunto dos Estados-membros desde o início da pandemia. A percentagem dos que responderam ter uma imagem da União Europeia positiva (48%) e negativa” (17%) teve um desvio ligeiro dos 50% e 14% do verificado no inquérito similar de final do ano passado. No entanto, continua a constituir uma evolução significativamente positiva face ao que se verifica em outubro de 2019 e os valores mais elevados positivos desde 2009. Note-se que idêntica evolução tem-se verificado na confiança na União Europeia. Por exemplo, no último Eurobárometro Standard Inverno 2020-2021[3] 49% dos inquiridos afirmaram confiar na União Europeia, o valor mais elevado desde 2008 e 6% acima do registado no outono de 2019.

Estes dados e a sua evolução em próximas pesquisas merecem continuar a ser acompanhados. Tanto mais quando, por um lado, no período da anterior crise financeira a generalidade dos indicadores de apoio à União Europeia baixaram significativamente. E, por outro lado, o grande plano de apoio à atual crise, a famosa “bazuca” (quase dois biliões de euros, onde se inclui o habitual quadro financeiro plurianual a sete anos e um novo instrumento temporário específico para a recuperação o Next Generation EU) ainda não começou a ser aplicado.

Mas, igualmente curioso, e algo que merece reflexão, é a perceção bastante positiva da União Europeia revelada pelos portugueses quando comparada com o conjunto dos Estados-membros. Por exemplo, 84% dos portugueses tem uma imagem positiva da União Europeia e 91% afirmam que de um modo geral a favor da UE. Em ambos os casos os valores nacionais mais elevados. Idêntica tendência se regista em diversos outros indicadores. Isto apesar de, paradoxalmente, a percentagem de portugueses que se dizem afetados na situação financeira pessoal (36%) ou que esperam que tal venha a acontecer (38%) seja maior do que a média da EU. É certo que, historicamente, os portugueses sempre estiveram entre os revelaram maior apoio à UE. Mas, mais uma vez, também é um facto que esse apoio sofreu um significativo decréscimo durante a anterior crise financeira.

84% dos portugueses tem uma imagem positiva da União Europeia e 91% afirmam que de um modo geral a favor da EU.

Mas, porventura, é ainda mais curioso comparar os diversos indicadores de elevado apoio à UE com a participação dos portugueses nas eleições para o Parlamento Europeu. Com tamanho entusiasmo pelo projeto europeu seria natural que os eleitores portugueses fossem dos que mais participassem nas eleições europeias. Certo?

A realidade está bastante longe de confirmar esta hipótese. Nas eleições para o PE de 2019 apenas 30,75% dos eleitores portugueses votaram. Ou seja, praticamente 70% abstiveram-se. Mais. Os registos da participação eleitoral ao longo dos anos indicam evolução negativa. Ou seja, apesar de, notoriamente, a influência da UE ser cada vez maior nas políticas públicas e nas suas vidas, os portugueses votam cada vez menos para eleger os seus representantes no PE (que, por sua vez, no contexto da UE foi conquistando mais poderes).

Nas eleições para o PE de 2019 apenas 30,75% dos eleitores portugueses votaram. Ou seja, praticamente 70% abstiveram-se.

Há muito que sabemos que a regra é que os eleitores participam menos nas eleições para o PE do que nas eleições que dão origem à formação dos governos nacionais. Este é um dos comprovativos que sancionou a convenção da ciência política de que são “eleições de segunda ordem”.

Mas, como se posiciona a participação eleitoral dos portugueses no ranking europeu? Façamos o teste comparativo. Em Portugal a participação nas eleições europeias de 2019 foi de pouco mais de 30%. No conjunto UE foi um pouco acima dos 50%. Pela primeira vez desde 1979, a abstenção no conjunto da UE inverteu a tendência de queda. Em Portugal continuou a aumentar. É certo que os níveis de participação nacionais são bastante heterogéneos. Que questões de abstenção técnica e de regras institucionais (em particular o voto obrigatório) devem ser tidas em consideração. Contudo, pouco parece atenuar esta realidade: em 28, apenas quatro (4) países tiveram uma abstenção mais elevada do que Portugal. Por ordem crescente de abstenção: Croácia, Eslovénia, República Checa e Eslováquia[4]. Note-se que estes países, e muitos outros com níveis superiores de participação, aderiram à União Europeia há significativamente menos tempo do que Portugal.

É estranho que o elevado entusiasmo revelado nos inquéritos de opinião seja correspondido por uma tão grande apatia eleitoral. Que dizer do perfil do “eleitor euro entusiasta apático”? Estaremos perante um caso de mero amor platónico? Talvez as complexidades democráticas nos possam revelar mais sobre a relação entre os portugueses e a União Europeia. Valerá a pena continuar a estudar este curioso caso de euro entusiasmo apático. 

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

 

[1] Eurobarometer (2021). «Spring 2021 survey: Resilience and recovery: Public opinion one year into the pandemic». https://www.europarl.europa.eu/at-your-service/en/be-heard/eurobarometer/spring-2021-survey

[2] Idem, Report, p.18-19.

[3]   Eurobarometer (2021). «Standard Eurobarometer 94 – Winter 2020-2021 – Public Opinion in the European Union». https://europa.eu/eurobarometer/surveys/detail/2355

[4] https://www.europarl.europa.eu/election-results-2019/en/turnout/

Portuguese, Portugal