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Em isolamento social, mas juntos!

Em isolamento social, mas juntos!

Mesmo estando isolados, é fundamental manter as relações sociais, defende neste artigo a psicóloga social do ISCTE Luísa Lima.
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No momento em que estou a escrever estas linhas há cerca de 330 mil pessoas infectadas e já morreram mais de 14 mil devido à pandemia de SARS-CoV-2 (COVID-19).

Infelizmente, sabemos que estes números irão crescer nas próximas semanas e a evidência científica mostra que o distanciamento social e o isolamento são as formas mais eficazes de que dispomos para lidar com este vírus.

Por isso, por muito que me custe, defendo e pratico o distanciamento social. Tal como acontece com tantos de nós, os meus contactos presenciais estão reduzidos ao mínimo e, quando existem, obedecem às medidas de segurança que têm sido divulgadas.

Este procedimento não deixa de ser motivo de reflexão para mim, que, como outros, defendo a importância dos encontros, das actividades em conjunto, das conversas, das festas, enfim da necessidade de cuidar dos laços sociais com os que nos rodeiam.

Já me debrucei em outro contexto[1] sobre a enorme importância da qualidade das relações sociais para a nossa felicidade e como esta constatação é apoiada pela bibliografia científica. Por isso é natural que a investigação científica tenha identificado diversas consequências psicológicas negativas decorrentes de medidas como o isolamento e a quarentena[2], uma vez que há necessariamente separação das pessoas de que gostamos.

Isso pode ser particularmente duro para populações vulneráveis que se sentem ainda mais isoladas. Acresce que o estado de emergência limita a nossa liberdade e por isso pode obrigar-nos a uma convivência forçada com pessoas que podemos evitar num quotidiano mais normal – refiro-me aos casos de famílias violentas ou disfuncionais, em que as escolas e os empregos são espaços de refúgio das tensões domésticas.

Se a tudo isto associarmos a incerteza relativamente ao nosso estado de saúde e ao dos que nos são próximos, bem como as preocupações relativamente ao nosso futuro em termos económicos ou de emprego, por exemplo, percebemos bem que a ansiedade, o stress e a depressão possam aumentar.

Por isso faz sentido olhar para recomendações como as de diversas Associações de Psicólogos[3], que nos indicam uma série de estratégias individuais para promover a saúde mental nesta situação.

O que quero salientar é que a promoção da saúde mental não passa apenas por cuidarmos de nós, mas, pelo contrário, implica cuidarmos dos outros e da nossa ligação com eles. É fundamental manter as relações sociais, mesmo estando isolados.

Esta é uma altura em que devemos usar e abusar das redes sociais para contactar com as pessoas que estão de quarentena e que se podem sentir estigmatizadas, e com as que estão em situação de isolamento social, sozinhas em casa ou com uma rede social escassa.

Os grupos nas redes sociais parecem estar a crescer, o que é um facto muito positivo, substituindo os grupos reais por grupos virtuais. Tornámo-nos subitamente peritos no uso da imagem nos telefones e computadores, porque à falta de abraços e beijos, ao menos vermo-nos e dizer adeus no ecrã  contribui para manter os nossos laços sociais vivos.

E arranjamos formas criativas de estarmos juntos e em sintonia. É emocionante ir à janela às 10 da noite bater palmas, ao mesmo tempo que os vizinhos com quem nunca falámos, quando nos cruzávamos na rua. E é emocionante não apenas por ser uma homenagem merecida aos trabalhadores de saúde – que deveríamos estender aos da segurança, da alimentação e das limpezas, de quem tanto dependemos na nossa vida, como se torna saliente nestes períodos de isolamento.

É emocionante porque por esta via percebemos que somos um colectivo ligado por um sentimento partilhado de identidade numa altura em que as interações face a face estão substancialmente reduzidas.

E fazer coisas ao mesmo tempo que outras pessoas tem esse efeito – seja fazer a aula de ginástica na internet ao mesmo tempo que os colegas habituais do ginásio, estar a assistir com amigos ao mesmo filme, a ouvir o mesmo festival de música online ou à transmissão da missa na televisão.

Sincronizarmo-nos com outros é uma poderosa forma de combate à solidão que este vírus nos trouxe.

De algum modo, esta ameaça coletiva permite encontrar muitas coisas em comum entre nós: tornamo-nos subitamente mais semelhantes e mais próximos dos outros

Os nossos quotidianos, tão diferentes, de repente tornam-se muito parecidos: estamos em casa, temos as mesmas preocupações, as mesmas limitações e reconhecemos que  todos podemos ganhar se partilharmos a forma como estamos a lidar com a situação.

Por isso, a televisão apresenta-nos figuras públicas a contarem como ocupam o tempo e muitas empresas e instituições disponibilizam soluções online abertas ao público mais alargado (aulas de ginástica, concertos, etc).

A investigação em psicologia social também nos mostra que, em contextos de um sentimento de ameaça partilhado, se desenvolve uma identidade comum e se facilitam comportamentos de cooperação e solidariedade[4]. Deixamos de estar apenas a pensar de forma egoísta  - como vai ser o meu futuro? - para nos focarmos nos interesses colectivos mais amplos - como vai ser o nosso futuro? E, por isso, ficamos mais disponíveis para ajudar, colaborar e ser generosos.

Podemos, por conseguinte, combater o impacto negativo do distanciamento social através dos contributos positivos associados aos comportamentos altruistas.

A investigação em psicologia tem estudado este fenómeno aparentemente paradoxal: quem dá, de coração aberto sem esperar nada em troca, recebe muito.

Há cada vez mais evidência que comprova que as pessoas que fazem regularmente voluntariado, em especial as mais velhas, obtêm ganhos na sua saúde[5]. E há sinais robustos de que, em todas as idades, a participação regular em atividades que nos fazem participar em algo maior do que nós próprios dá significado à vida e tem efeitos positivos na saúde mental e no sentimento de bem-estar[6]. Por isso, mesmo limitados pela atual situação que impõe o distanciamento social, há muitas iniciativas altruístas ou de voluntariado em que podemos colaborar, como as ajudas nas compras ou os telefonemas a pessoas isoladas, ou ainda a adesão a iniciativas de voluntariado que possam ser desenvolvidas a partir de casa [7].

A ideia de que estamos todos unidos nesta situação, que a temos de vencer em conjunto para não sofreremos consequências ainda mais dramáticas, é uma grande oportunidade. Este sentimento coletivo de que, apesar de socialmente distanciados, estamos juntos nesta luta, é extremamente poderoso. Permite-nos compreender as razões que levam ao aparecimento das bandeiras nacionais nas janelas, ou o comportamento cívico exemplar que os portugueses têm manifestado. Este comportamento não se limita aos que se têm exposto a riscos, mantendo-se no seu trabalho, no seu esforço voluntário ou nas suas ações de apoio a familiares vulneráveis ou isolados.  É também o todos os cidadãos que ficam em casa, mantêm a distância nas interações, mantêm a calma, compram moderadamente ou ajudam o comércio local a manter-se. Porque sabem que é juntos que temos que sair desta situação, e que dela podemos sair melhores pessoas do que entrámos.

Lisboa, 22 de Março de 2020

 

[1] Lima, Maria Luísa Pedroso de (2018). Nós e os outros: O poder dos laços sociais. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.

[2] Brooks, S.K., Webster, R.K., Smith, L.E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G.J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet, 395, 912–920. Doi: 10.1016/ S0140-6736(20)30460-8

[3] Ordem dos Psicólogos Portugueses:  https://www.ordemdospsicologos.pt/pt;
Associação de Psicologia Ambiental: https://www.psicamb.org/index.php?option=com_content&view=article&id=16&Itemid=143&lang=pt; da Bristish Psychological Association https://thepsychologist.bps.org.uk/coronavirus-psychological-perspectives

[4] Drury, J., Carter, H., Cocking, C., Ntontis, E., Tekin Guven, S., & Amlôt, R. (2019). Facilitating collective psychosocial resilience in the public in emergencies: Twelve recommendations based on the social identity approach. Frontiers in Public Health,  7, 141. doi: 10.3389/fpubh.2019.00141

[5] Okun, M.A.,  Yeung, E.W., & Brown, S. (2013). Volunteering by Older Adults and Risk of Mortality: A Meta-Analysis. Psychology and Aging, 28(2), 564–577. doi:10.1037/a0031519.

[6]  Kim, J., &  Morgül, K. (2017). Long-term consequences of youth volunteering: Voluntary versus involuntary service. Social Science Research,  67, 160-175. doi: 10.1016/j.ssresearch.2017.05.002.

[7] Como as do https://covid.pt  ou a que Junta de Freguesia de Carnide iniciou formando jovens para telefonarem a pessoas mais velhas que vivem isoladas (https://www.jf-carnide.pt/para-a-populacao/noticias/media/Jovens-vao-conversar-diariamente-por-telefone-com-idosos-em-Carnide/6956/)

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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Portuguese, Portugal