A
A
Entrevista-GPS-52

Entrevista GPS #52: «Portugal tem de compreender que sistema científico quer»

Entrevista a Pedro Costa, professor e investigador em ciência de materiais na Universidade King Abdullah (KAUST), na Arábia Saudita.
5 min
Autor

Sobretudo, deve existir uma coerência estratégica de longo prazo, que não mude por completo ao sabor dos ciclos eleitorais.»

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Sou Professor Auxiliar no Departamento de Ciência e Engenharia de Materiais na Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah (KAUST), sita na costa leste da Arabia Saudita. A KAUST é uma universidade de elite para pós-graduados (mestrados e doutoramentos), dedicada a encontrar soluções para alguns dos problemas mais prementes que afectam a Península Árabe (e o mundo) como seja a crescente escassez de agua potável. Para alem das cadeiras que lecciono, lidero o comité de admissão de estudantes para o departamento e o comité de utilizadores de um dos laboratórios centrais da universidade. Existem vários destes laboratórios comunitários, sendo que cada um deles está repleto de instrumentação cientifica de ponta e acessível a todos os grupos de investigação da KAUST. No que respeita a ciência, lidero um grupo que se dedica ao estudo de materiais à base de carbono como o grafeno. Procuro também ajudar no desenvolvimento e divulgação da minha área científica integrando, por exemplo, redes como a GPS e comités de organizações profissionais como a Sociedade Portuguesa de Química ou a Royal Society of Chemistry (Reino Unido).

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

Os materiais de carbono são hoje transversais na nossa sociedade, mesmo que muitas vezes passem despercebidos. Na indústria aeronáutica, as fibras de carbono são componentes essenciais dos painéis de materiais compósitos com os quais se constroem as aeronaves mais modernas, como o A350 XWB da Airbus. Um outro exemplo são os terminais (ou elétrodos) de grafite das baterias de lítio, presentes na generalidade dos dispositivos móveis de comunicação e de computação. Relativamente ao trabalho de investigação nesta área, as últimas duas décadas têm sido muito profícuas. À descoberta da molécula de fulereno (C60) em meados de 80, seguiram-se relatos de outros tipos de estruturas de carbono a escala do nanómetro, incluíndo os nanotubos (na década de 90) e o grafeno (produzido e amplamente estudado já no século XXI). Dois prémios Nobel e um projecto bilionário pan-Europeu (de apenas três em execução) atestam bem o interesse que estes materiais despertaram na comunidade cientifica. Muito desta atenção advém de propriedades físicas extraordinárias, tais como a recente descoberta de supercondutividade eléctrica em folhas de grafeno.

Sem equipas técnicas e administrativas estabilizadas é muito difícil construir um projeto institucional com memória e capacidade de saber-fazer.

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

A minha vivência em países estrangeiros conta mais de 15 anos. O primeiro contacto surgiu logo depois de terminada a licenciatura em Química. Era, na altura, bolseiro de investigação e desloquei-me para realizar um estágio curto na Universidade de Heidelberg, na Alemanha. Mais tarde, seguiu-se o doutoramento em Oxford e um pós-doutoramento em Cambridge, no Reino Unido. Estagiei ainda no Canadá e residi, por quase dois anos, no Japão. Regressei a Portugal em 2008, em resposta ao apelo do Programa Ciência. Todavia, o aprofundar da crise financeira e, sobretudo, a indefinição da uma estratégia geracional para a Ciência, fizeram-me olhar novamente para o estrangeiro. Primeiro, complementando o trabalho que desenvolvia em Portugal com um projecto em Dresden (Alemanha); poucos anos depois, com a mudança para uma nova universidade de elite, na Arábia Saudita. Inicialmente, durante o meu período de formação, o intuito de sair foi procurar melhores condições para a investigação e trabalhar em tópicos de ponta que não se investigavam ainda no nosso país. Mais recentemente, encontrando-me numa etapa diferente da minha vida profissional, foi a busca por oportunidades sólidas de desenvolvimento e progressão na carreira de investigador/docente que me motivou. Nestes 20 anos desde a licenciatura, e atravessando vários continentes, verifico que um dos componentes mais importantes para assegurar a estabilidade, a longo prazo, de um instituto de investigação são as equipas que trabalham nos bastidores. Conquanto estudantes, pós-doutorandos e, em certa medida, investigadores beneficiam de terem um percurso com mobilidade, sem equipas técnicas e administrativas estabilizadas é muito difícil construir um projeto institucional com memória e capacidade de saber-fazer.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Sou de opinião que Portugal tem de compreender que sistema científico quer e se tem (estruturalmente, não conjunturalmente) meios para o concretizar. Sobretudo, deve existir uma coerência estratégica de longo prazo, que não mude por completo ao sabor dos ciclos eleitorais (alias, tal como para a Educação). Por exemplo, desde o Programa Ciência (com início em 2007), já tivemos pelo menos três outros programas diferentes (Welcome, IF, Estímulo ao Emprego) dirigidos à contratação de investigadores. Esta falta de definição confunde qualquer profissional que queira desenhar a sua carreira num horizonte de mais de 5 anos.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

O GPS vem colmatar a ausência de um repositório público que apoie não só o trabalho em rede de investigadores portugueses espalhados pelo mundo, mas que funcione também como uma referência para politicas de monitorização de recursos humanos altamente especializados pela FCT (algo que tem pouca expressão ainda nos meios institucional e académico portugueses). Colocar em rede a comunidade de investigadores portugueses emigrados pode, por exemplo, estabelecer um meio de identificar partes interessadas que contribuam, com base nas respectivas vivencias actuais, para o debate nacional pela Ciência e Educação. E, como o número de membros da GPS atesta, somos largos milhares. Posso inclusive deixar aqui o exemplo da recente criação de um grupo de “Químicos no Estrangeiro” da Sociedade Portuguesa de Química. Em boa parte, tal só foi possível devido à informação recolhida e disponibilizada pela GPS.

Fotografia de Pedro Costa no campus do KAUST, por Ricardo Lima.

Consulte o perfil de Pedro Costa no GPS-Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

Autor
Portuguese, Portugal