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Não se abstenha: três razões e mais uma para votar nas eleições europeias

Artigo de Nuno Sampaio, o autor do novo ensaio «Eleições na União Europeia», publicado pela Fundação.
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Numa sondagem de opinião divulgada no dia 25 de março, apenas 8,6% dos portugueses inquiridos acertaram no dia em que as eleições para o Parlamento Europeu (PE) terão lugar: 26 de maio.

Este aparente alheamento ou desconhecimento dos eleitores quanto às eleições onde serão escolhidos os representantes dos Estados-membros numa assembleia multi ou supranacional não deve causar espanto. Em 2014, mais de 57% dos eleitores ao nível europeu optaram pela abstenção, sendo que em Portugal foram praticamente 67% os que não exerceram o seu direito de voto. O quadro da abstenção não é uniforme nos diversos Estados-membros e varia entre os 87% na Eslováquia e os 10% na Bélgica, onde o voto é obrigatório e se realizam três eleições no mesmo dia (federais, regionais e europeias).

O facto de as eleições para o PE terem historicamente, na generalidade dos países, uma participação significativamente menor do que as eleições nacionais tem sido apontado como uma das razões para que os cientistas políticos as designem como eleições nacionais de segunda ordem. Contudo, esta designação e o padrão de comportamento eleitoral que lhe dá origem correm o risco de parecerem cada vez mais paradoxais, na medida em que os poderes atribuídos à União Europeia, e ao próprio Parlamento Europeu, têm vindo a crescer ao longo do tempo. Ou seja, ao mesmo tempo que a influência da União Europeia é cada vez maior nas políticas públicas dos Estados-membros e no dia-a-dia dos cidadãos, tendo o Parlamento Europeu um papel essencial nos processos legislativos, a abstenção nas eleições europeias continua a crescer.

No balanço do deve e do haver, o saldo do projeto europeu nas últimas sete décadas tem sido francamente positivo para a manutenção da paz, a consolidação da democracia e o desenvolvimento social e económico.

E não é apenas no processo legislativo que o poder do Parlamento Europeu tem sido reforçado. A escolha do Presidente da Comissão Europeia (CE) e do colégio de comissários está dependente, não apenas da maioria qualificada do Conselho Europeu, mas também da eleição e aprovação, respetivamente, no Parlamento Europeu.

Ora, em 2014, as instituições europeias associaram a escolha do Presidente da CE às próprias eleições, com os principais partidos políticos europeus a apresentarem antes das eleições Spitzenkandidaten (expressão alemã que significa «principais candidatos» ou «cabeças de lista») ao lugar de Presidente da CE. Resumindo uma história um pouco mais longa e complexa, foi através deste novo método que Jean-Claude Juncker foi escolhido. Apesar de o PE ter reafirmado o seu compromisso com este procedimento para as eleições de 2019, o facto é que o Conselho Europeu (que segundo os tratados tem a competência para indicar o nome a ser eleito pelo PE) já reiterou que não se considera vinculado a esse compromisso. O facto é que este método se encontra num limbo, não está previsto nos tratados, mas também não é contra os tratados. O certo é que nome do próximo Presidente da CE terá de ser indicado por uma maioria qualificada do Conselho Europeu e eleito pelo maioria do PE.

Um previsível aumento da fragmentação dos partidos representados no PE e o crescimento eleitoral de forças políticas eurocéticas, nalguns casos populistas e anti-sistema, pode tornar ainda mais complexo o funcionamento das instituições europeias e em especial entrada em funções da nova CE. É salutar que uma assembleia de representantes seja plural e representativa da diversidade da própria União Europeia. Mas o risco de crescimento no PE de forças políticas iliberais, com discursos e práticas políticas em rota de colisão com os valores fundacionais da União «do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias», não é despiciendo.

Assim, existem pelo menos três razões que tornam importante exercer o direito de voto para as eleições europeias: (1) a influência crescente que a legislação deliberada no PE tem no dia-a-dia nos cidadãos; (2) o papel decisivo que o PE pode ter na escolha do Presidente e da próxima Comissão Europeia; (3) e o risco de crescimento da representação de forças políticas iliberais.

Mas há mais uma razão de fundo que agrega e que supera todas as outras. É que, no balanço do deve e do haver, o saldo do projeto europeu nas últimas sete décadas tem sido francamente positivo para a manutenção da paz, a consolidação da democracia e o desenvolvimento social e económico. Pode-se debater, deve-se, o funcionamento da União Europeia, a forma como se deve articular com os poderes dos Estados-membros e a vontade democrática de diversos povos e eleitorados tão distintos. Mas não nos devemos abster de dar o nosso contributo através do voto nas eleições europeias.

Nuno Sampaio é o autor do ensaio Eleições na União Europeia, publicado pela Fundação.

Fotografia de Arnaud Jaegers no Unsplash

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

Portuguese, Portugal