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A perenidade da segurança social não está nem pode estar inscrita nas estrelas

Excerto do livro «Segurança Social: o futuro hipotecado», de Fernando Ribeiro Mendes.
4 min
O argumento de justiça social pode ser desenvolvido de três maneiras distintas: associado a uma concepção de bem-estar, a uma valorização da liberdade e a uma ideia de virtude. A discussão sobre a segurança social e a justiça entre gerações tem oscilado entre estes três modos de argumentação.

Quando nasce um ser humano, a segurança social logo vem compensar os encargos adicionais dos progenitores. Liberta pai e mãe da vida profissional para prestarem os primeiros cuidados ao recém-nascido, subsidiando-lhes licenças de maternidade e paternidade. Segue apoiando as famílias no esforço educativo posto em cada filho. Ajuda os adultos a enfrentar consequências da doença e do desemprego, fazendo as vezes do rendimento perdido, contribuindo para pagar cuidados de saúde ou subsidiando acções de valorização profissional. Na aposentação por velhice ou na invalidez, substitui-se definitivamente aos rendimentos do trabalho. E, na morte, sobrevive-nos, para apoiar os que estejam ainda a nosso cargo.

O conjunto de políticas sociais e de instituições de segurança social desenvolvidas na segunda metade do século XX, em quase todo o mundo, pôs ao alcance de cada cidadão toda esta protecção contra os variados riscos sociais. Embora as coberturas asseguradas e a eficácia das prestações atribuídas sejam muito variáveis de uns países para outros, radicou-se por todo o lado, nas consciências e nas políticas públicas, a ideia de que a acção social do Estado deveria proteger cada cidadão «do berço à sepultura», proposta há mais de sessenta  anos por Lord Beveridge, o político britânico que mais contribuiu para a concepção da protecção social pública no século XX. 

A segurança social dos Estados, tantas vezes tomada como um dado adquirido, culmina uma longa evolução das políticas públicas nas sociedades mais desenvolvidas do planeta, visando colmatar as falhas dos mercados, das famílias e das comunidades na protecção contra os riscos sociais. 

Consiste na protecção social de âmbito nacional orientada prioritariamente para a substituição e garantia de rendimentos quando ameaçados. Faculta, além disso, uma larga oferta de serviços assistenciais e de cuidados de saúde, embora suceda com frequência a organização autónoma da sua prestação, seja através de instituições particulares convencionadas, seja através de serviços nacionais de saúde.

A segurança social vincula obrigatoriamente os membros activos da sociedade como financiadores directos do sistema através de contribuições sociais sobre os rendimentos do seu trabalho, tendo por contrapartida serem beneficiários das prestações e dos serviços correspondentes tanto na fase activa das suas vidas como na reforma. Estende a condição de beneficiário a todos os que partilham o mesmo estatuto de cidadania, mesmo sem terem tido actividade económica, em certas situações, usando as receitas gerais do Estado para financiar-lhes o apoio.

Sendo uma realização histórica, a perenidade da segurança social não está nem pode estar inscrita nas estrelas. Resulta da vontade expressa das nações, estando sujeita aos limites das
respectivas economias.

Na maior parte da União Europeia, mobiliza-se entre vinte e trinta por cento do que se produz anualmente em cada Estado-membro para financiar as correspondentes prestações e serviços. Em média, são consagrados 12 % do PIB às pensões de velhice e sobrevivência e 7 % aos subsídios de doença e cuidados de saúde. Repare-se como Portugal se situa plenamente nestes níveis, apesar da partida tardia em direcção ao Modelo Social Europeu.

A dimensão do encargo, por si só, levanta óbvias inquietações. Será viável no longo prazo manter políticas públicas tão caras e que absorvem tantos recursos sem pôr em perigo a condição de vida a que nos habituámos na Europa? E quanto disto tudo seremos capazes de legar aos nossos sucessores? 

Estes pontos são da maior importância. Durante muito tempo, a segurança social parecia-nos intrinsecamente virtuosa. Sem dúvida, pensávamos, ela iria aumentar o bem-estar colectivo na medida em que eliminaria angústias de todos e carências de alguns, perante os riscos sociais. Mas, subitamente, tomamos consciência de custos que lhe estão associados e que serão impostos aos que não se podem sobre eles pronunciar, os vindouros, os que ainda não nasceram. Acharão eles tão virtuosa quanto nós a segurança social? E, sobretudo, julgarão justa a repartição social dos benefícios e dos encargos por ela implicada?

Sabemos bem como a resposta pública a estas interrogações tem sido generalizadamente dada no sentido de controlar e conter a progressão dos custos em nome das gerações futuras. Não é claro, porém, a racionalidade em que assenta. Repare-se que, para qualquer situação deste tipo, o argumento de justiça social pode ser desenvolvido de três maneiras distintas:

  • Associado a uma concepção de bem-estar: é justo o que aumenta o bem-estar de todos;
  • Associado a uma valorização da liberdade: é justo o que dá acesso a igual liberdade para todos;
  • Associado a uma ideia de virtude: é justo o que elimina algo que nos repugna moralmente.

A discussão sobre a segurança social e a justiça entre gerações tem oscilado entre estes três modos de argumentação, deparando-se com dificuldades significativas em todos eles.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

Portuguese, Portugal