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A crise económica portuguesa nas palavras de 9 economistas

A crise económica portuguesa nas palavras de 9 economistas

Excertos das opiniões de Mário Centeno, Ricardo Reis, Luciano Amaral, Luís Aguiar-Conraria, Ricardo Cabral e outros economistas portugueses, expressas em publicações da FFMS.
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No próximo programa Fronteiras XXI na RTP3 (dia 5 de Julho às 22:00), Fortunato Frederico, Francisco Veloso e Luís Aguiar-Conraria vão debater o futuro da economia portuguesa. Prepare-se para o debate lendo estes excertos das opiniões de alguns dos principais economistas portugueses.

 

«Depois de uma década de pessimismo (a seguir à revolução de 1974), a economia portuguesa viveu um longo período de optimismo entre 1986 e o ano 2000. Era o tempo em que sucessivos economistas viam em Portugal um “caso de sucesso”. Quando, no início do século XXI, apareceram os primeiros anos de crescimento medíocre, muita gente acreditou tratar-se apenas de algo passageiro. Rapidamente voltaríamos ao ritmo dos anos anteriores, tal como já acontecera a seguir a 1994, depois da crise iniciada em 1992. Entretanto, quase sem darmos por isso, passou uma década, e continuámos a afastar-nos das economias mais ricas. Hoje somos, em termos comparativos, 6% mais pobres do que éramos no ano 2000, e o pessimismo está de regresso.» [Luciano Amaral, Economia Portuguesa: As Últimas Décadas (2010), pág. 11]

«O ano de 2000 marca uma profunda alteração no desempenho da economia portuguesa. Em 2014, o valor da produção era igual ao valor da produção em 2001. Ou seja, neste período, o crescimento foi zero. O desemprego iniciou uma trajectória ascendente, aumentando de 5,1%, em 2001, até atingir um valor máximo de 17,9%, em Janeiro de 2013. É preciso recuar às duas primeiras décadas do século XX, ao período de transição da Monarquia para a República, para encontrar um período com tão mau desempenho.» [Fernando Alexandre, Luís Aguiar-Conraria e Pedro Bação, Crise e Castigo: Os Desequilíbrios e o Resgate da Economia Portuguesa (2016), pág. 88]

«A origem dos desequilíbrios externos portugueses era (desde 1953), é e continuará a ser o elevado défice da balança de bens; até 1995, apesar de o país gastar, em média, mais do que produzia, a trajectória da dívida externa seria sustentável em resultado de sucessivas desvaorizações cambiais; [...] após 1995, com a estabilidade cambial, e posteriormente com o euro, surge uma dinâmica de crescimento insustentável do passivo externo líquido e um progressivo aumento das necessidades líquidas de financiamento da economia; portanto, o efeito da adesão ao euro na dívida externa dá-se através do impacto dessa adesão no valor de mercado dos activos e passivos financeiros do país, na balança de rendimentos e na balança de transferências correntes, e não através do comportamento das exportações e importações, como tem sido generalizadamente defendido» [Ricardo Cabral, Dívida: como explicar o crescimento da dívida externa nacional desde 1996?, in Revista XXI, Ter Opinião n.º 1 (2012), pág. 33]

«A partir de meados dos anos 90, houve um enorme influxo de capital do estrangeiro para Portugal. Os portugueses celebraram isso nas baixas taxas de juro que pagavam em troca de crédito. O país, que há anos equilibrava a diferença entre o que exportava e o que importava com as remessas de emigrandes, começou a importar muito mais do que exportava, com recurso ao crédito do exterior. [...] Este influxo não é surpreendente. Com a entrada no euro, que já era muito provável desde por volta de 1995, desaparecia o risco cambia para os outro europeus que investiam em Portugal. Para alem disso, tendo acesso aos empréstimos de emergência do Banco Central Europeu, os bancos portugueses prometiam ser mais seguros em altura de crise. Surpreendente foi o destino desses fundos. Com mais capital, esperava-se que as empresas mais produtivas em Portugal pudessem crescer, ganhar escala e atacar mercados internacionais. O capital devia também facilitar os investimentos necessários para fazer as mudanças no sector produtivo tornadas indispensáveis pela concorrência chinesa. Ao invés, os sectores que mais usaram este capital para crescer em Portugal foram o imobiliário, o comércio grossista e retalhista e os serviços pessoais. Todos eles são sectores não-transaccionáveis, virados para o mercado interno. Têm também a distinção de serem sectores em que a produtividade mais caiu nesta altura e em que há mais indícios de ter diminuído a concorrência e terem aumentado as rendas. O capital foi mal distribuído.» [Ricardo Reis, O misterioso défice de crescimento: o capital foi mal distribuído, in Revista XXI, Ter Opinião n.º 3 (2014), pág. 121]

«O Estado português está de modo progressivo a ficar relativamente maior, se avaliarmos o seu peso pelo rácio da despesa pública no produto, e a financiar-se recorrendo cada vez mais aos impostos que recaem sobre as famílias e as empresas, com um efeito negativo no crescimento económico e no emprego. Paradoxalmente, apesar de maior, o Estado está a ficar cada vez mais pobre, quer em termos absolutos quer relativos. As sucessivas privatizações podem ter tido razões ideológicas, mas têm resultado da estrita necessidade de reduzir a dívida. Sem excedentes orçamentais, só há uma solução para controlar a explosão da dívida pública: vender os activos do Estado. [...] Os governos de Portugal não têm conseguido fazer sozinhos o trabalho de casa de forma a ter finanças sustentáveis. Só houve algumas melhorias substanciais, de forma pontual, por imposição externa, directa ou indirecta, e também com recurso a alguns "expedientes" (privatizações, receitas de concessões, incorporação de fundos de pensões, etc.) [Paulo Trigo Pereira, Portugal: Dívida pública e défice democrático (2012), págs. 33-34]

«Quando, em meados dos anos 70, se construiu o Estado-Providência em Portugal, a previsão de crescimento económico que lhe estava subjacente era da ordem dos 5% ao ano. Tal valor nunca foi alcançado desde então nem é expectável que o venha a ser nos próximos anos. A conclusão a que se chega é clara: o Estado-Providência, tal como o conhecemos, assenta sobre perspectivas de crescimento económico irrealistas.» [Filipe Carreira da Silva, O Futuro do Estado Social (2013), pág. 37]

«O actual enquadramento institucional do mercado de trabalho condiciona negativamente os investimentos em educação. Na presença de uma elevada protecção, os titulares de emprego não investem em mais formação e os pretendentes (jovens estudantes) em face das poucas oportunidades à sua disposição (e da futura protecção) baixam também o nível de investimento em educação. Gera-se uma espiral descendente de subinvestimento, em que a baixa produtividade é apenas o sintoma mais visível. O sistema fiscal, penalizador dos investimentos em educação, também não ajuda nestas decisões.» [Mário Centeno, O Trabalho, uma Visão de Mercado (2013), pág. 102]

«A gestão que Portugal fez da preparação da entrada no euro, sobretudo a partir de 1996, foi particularmente infeliz e constituiu a base dos problemas com que a nossa economia se ven debatendo desde então, nomeadamente na falta de competitividade-preço, no acumular de um endividamento externo elevadíssimo e duma estagnação do crescimento económico, com óbvias ramificações nas contas públicas e na fragilização do nosso Estado social. A entrada no euro não tinha quer ter coincidido com o início da nossa divergência em relação aos nossos parceiros comunitários, mas a forma como o fizemos acabou por ter aquela consequência.» [Pedro Braz Teixeira, O Euro e o Crescimento Económico (2017), pág. 125]

«A abertura da economia e da sociedade portuguesa ao exterior foi muito profunda no último meio século. Porém, não existiu um projecto consistente de desenvolvimento, e Portugal não conseguiu antecipar e ajustar-se de forma suficientemente célere às realidades e desafios decorrentes das transformações internacionais. Pelo contrário, instalou-se alguma falta de exigência na acção dos agentes públicos e das empresas.» [João Amador, Portugal e o Comércio Internacional (2017), págs. 90-91]

O programa Fronteiras XXI do dia 5 de Julho, às 22:00, na RTP3 vai levar a debate o futuro da economia portuguesa. Os convidados são Fortunato Frederico (Fly London e Foreva), Francisco Veloso (Imperial College London) e Luís Aguiar-Conraria (Universidade do Minho).

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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Portuguese, Portugal