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SOBRE O FUTURO DO TRABALHO

Sobre o futuro do trabalho

Texto de apresentação do Encontro da Fundação 2018, escrito pelo coordenador científico, Pedro Portugal
4 min
O espetro da automação paira sobre a humanidade. Na sua projeção distópica, os postos de trabalho serão preenchidos por robots e sistemas inteligentes que tornarão o trabalho humano dispensável, levando os trabalhadores à mais negra miséria.

 

Na sua interpretação utópica, uma nova sociedade de abundância será tornada possível pelo aumento exponencial da produtividade que só fará emergir o problema da distribuição dos fartos rendimentos gerados pelo progresso tecnológico.

Estará a humanidade condenada a sofrer, em grande escala, a angústia dos trabalhadores têxteis do movimento Luddite que, no século XIX, em protesto contra a automação dos teares, se organizaram para destruir a maquinaria?

Economistas muito influentes fizeram profecias pessimistas sobre o futuro do trabalho. Em 1930, Keynes previu, corretamente, que a introdução de novas tecnologias levaria a um aumento sustentado da produtividade e do rendimento per capita, ao longo do século XX. Esta perceção, contudo, levou-o a prever, incorretamente, a generalização do desemprego tecnológico, através da substituição do trabalho humano por máquinas.  Numa entrevista concedida ao New York Times em 1983, Wassily Leontief estabeleceu uma comparação com as tecnologias do início do século XX que tornaram o trabalho dos cavalos desnecessário para fundamentar a sua previsão de que o trabalho humano ser tornaria cada vez menos importante.

Estará o trabalho humano destinado a perecer da mesma maneira que pereceu o trabalho equestre? Serão os trabalhadores substituídos por robots da mesma maneira que os cavalos foram substituídos por tratores?

A velocidade com que têm ocorrido as mudanças tecnológicas parece justificar alguma ansiedade sobre o futuro do trabalho. Afinal, estima-se que o custo de executar tarefas computacionais decresceu na ordem de grandeza dos triliões desde o tempo do cálculo manual. Por sua vez, o stock de robots quadruplicou no decorrer de uma década e meia nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, admitindo-se que cerca de 50 por cento dos trabalhadores possam ter os seus empregos ameaçados de automação nas próximas duas décadas.

Que profissões estão em risco de estiolar ou desaparecer? Quantos empregos serão extintos? Como reagirão os salários? Que influência terá a automação na repartição dos rendimentos? Como corrigir as desigualdades? Deverão os robots ser fiscalmente onerados? Como contrariar a discriminação no mercado de trabalho? 

As contribuições da investigação académica sobre estas questões, não sendo definitivas, são reveladoras e instrutivas. É recomendável, antes de tudo, resistir à falácia do número fixo de postos de trabalho. A automação permite, de facto, a substituição de tarefas (e profissões) previamente executadas pelo trabalho por capital. Mas a criação de novas tarefas (e profissões), tornadas possíveis pela automação, irá, complementarmente, empregar trabalho com produtividades mais elevadas. A história do progresso tecnológico dos últimos dois séculos tem mostrado que o número de postos de trabalho criados excedeu largamente o número postos de trabalho destruídos.

Mas, desta vez, será diferente?

Existe informação empírica abundante que mostra, convincentemente, o recuo de profissões cujas rotinas podem facilmente ser codificadas e, portanto, executadas por máquinas. Foi assim que, por exemplo, os trabalhos fisicamente desgastantes, repetitivos, perigosos e cognitivamente pouco estimulantes do sector agrícola foram transferidos para as máquinas agrícolas. Mas enquanto as tarefas de rotina podem ser programadas, as atividades abstratas que requerem intuição, criatividade, persuasão e capacidade de resolver problemas são difíceis de codificar. Por sua vez, atividades manuais que requerem adaptabilidade às situações, reconhecimento visual e linguístico ou interações interpessoais também apresentam desafios quase intransponíveis à automação.

Compreende-se, deste modo, que a penetração da automação em profissões rotinizáveis exercidas por trabalhadores com qualificações médias tenha levado a uma quebra de emprego nessas atividades, enquanto as profissões que exigem elevados níveis de educação (tarefas abstratas) ou fracos níveis de educação (tarefas manuais) observaram um aumento notável de postos de trabalho. Esta evolução, a que a associa a noção de polarização do emprego, e se estendeu a diferentes países, sectores de atividade e localizações, tem, evidentemente, importantes consequências em termos de desigualdades salariais.

A emergência de novas tarefas e de novas profissões crescentemente mais complexas e abstratas coloca o futuro trabalho humano num patamar distinto do trabalho dos cavalos no início do século XX. Afinal, como referem Daron Acemoglu e Pascual Restrepo (2017), “a diferença entre o trabalho humano e o dos cavalos é que os humanos têm uma vantagem comparativa em tarefas novas e complexas. Os cavalos não.”       

Ciclicamente, a ansiedade da automação reemerge no debate público. A este propósito, o prémio Nobel da economia Herbert Simon escreveu certeiramente, em 1966: “Na medida em que são, mesmo, problemas económicos, os problemas do mundo para esta geração e para próxima são problemas de escassez e não de intolerável abundância. O papão da automação consome preocupantemente capacidades que deveriam ser poupadas para problemas reais...”.

Conheça o programa completo do Encontro da Fundação 2018.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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