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Liberdade de informação no tempo das hordas ululantes

Post convidado de José Manuel Fernandes, publisher do Observador, a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
3 min
Infelizmente não custa muito. Basta ir até ao site dos Repórteres sem Fronteiras e temos abundantes notícias sobre os atentados à liberdade de informação em todo o mundo. Censura. Jornalistas ameaçados, presos ou mesmo assassinados. Perseguições abertas ou perseguições veladas.

Os poderes políticos autoritários nunca lidaram bem com a liberdade – na verdade, nunca a toleraram – e por isso não surpreende que só nos cheguem más de notícias de países como a China, a Venezuela, a Rússia ou, claro, a Coreia do Norte. A liberdade não está em alta, pelo contrário, pelo que até na nossa Europa, na nossa União Europeia, há sinais inquietantes.

Mas não é apenas o poder político, ou o poder económico, que limita a liberdade de expressão e informação. Há os ataques mais visíveis, como os atentados ao Charlie Hebdo, ameaças sem disfarce, como as fatwa, mas há também um vírus mais invisível e porventura mais perigoso. O vírus da intimidação em nome do “direito” a não ser ofendido, ou a não ser provocado, ou mesmo a não ser desafiado nas suas convicções.

É um vírus de que manifesta de forma silenciosa, quando muitos se calam por receio de ataques físicos, ou do mais insinuante e às vezes mais doloroso ataque por via do isolamento e do ostracismo. Mas é também um vírus que pode surgir embalado em discursos politicamente correctos, sob a forma de activismos que têm procurar cortar o direito à palavra a quem pensa de forma diferente. É um vírus que se manifesta de forma particularmente insidiosa em alguns campus universitários, onde literalmente há quem não tenha direito à palavra, quem veja serem-lhe retirados convites, quem seja boicotado, apenas porque pensa diferente, ou porque apoia Israel, ou porque se manifestou contra o aborto, ou porque se tema que ofenda o Islão, ou simplesmente porque não segue a cartilha dos militantes radicais.

Mas tudo isto se tem falado e escrito muito, e mesmo que muito deva ser dito, e mais tenha de ser compreendido, a limitação à liberdade de informação que hoje me preocupa é outra: é a progressiva destruição dos espaços comuns de debate pelos hooligans das caixas de comentários e das redes sociais.

Na verdade de pouco nos serve ter a liberdade de falar se ninguém nos ouvir. Ou se apenas estivermos a falar para os que já concordam connosco. O importante é que essa liberdade possa ser exercida no espaço público, um espaço comum onde todos têm direito de cidadania e palavra, a ágora dos tempos modernos onde se devia poder debater todas as ideias, sem preconceitos nem barreiras.

Não é isso que começa a acontecer em muitos dos lugares que deviam constituir esse espaço comum. Por um lado, a fragmentação e enfraquecimento da comunicação social tradicional tem levado a uma correspondente fragmentação do espaço público, com cada um acantonado na sua zona de conforto, contente entre os que pensam o mesmo. Por outro lado, o tom carroceiro, próprio de uma taberna mal frequentada, adoptado em muitas caixas de comentários e nas redes sociais tendem a afastar desses espaços quem quer que esteja interessado num debate sereno. Nesses espaços, que poderiam corresponder à ágora dos tempos modernos, o ambiente está de tal forma inquinado pelas hordas ululantes que muitos se afastam, não frequentam, evitam, sobretudo recusam a envolver-se numa troca saudável de ideias.

 

José Manuel Fernandes é autor do ensaio "Liberdade de Informação"

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

Portuguese, Portugal