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Entrevistas GPS #2: «Contribuir para a miniaturização na tecnologia é entusiasmante e motivante»

Entrevista GPS #2: «Contribuir para a miniaturização na tecnologia é entusiasmante e motivante»

Segunda de uma série de entrevistas a investigadores registados no Global Portuguese Scientists (GPS). Helena Silva é professora e investigadora de nanotecnologia e trabalha nos Estados Unidos.
7 min
Autor
Helena Silva é investigadora de engenharia de materiais e nanotecnologia na Universidade do Connecticut, nos Estados Unidos. O seu fascínio pelo potencial transformador da sociedade garantido por estas tecnologias é patente na entrevista que lhe fizemos.

 

Pode descrever-nos (a nós, leigos) de forma sucinta o que faz profissionalmente?

Trabalho na área de dispositivos electrónicos, que se situa nas áreas de engenharia electrónica ou física aplicada, e tem como objectivo geral desenvolver melhores dispositivos – mais rápidos e mais eficazes, com maior funcionalidade e menos energia dispendida – para todo o tipo de aplicações electrónicas. A área de dispositivos electrónicos está entre a física dos materiais utilizados (física do estado sólido) e o estudo de como ligar estes dispositivos da melhor forma dependendo do objectivo (circuitos electrónicos). O dispositivo electrónico mais utilizado é o transistor de silício, que é a base de quase toda a electrónica actual, e numa escala verdadeiramente impressionante, com billioes (10^9) destes transistores em chips de áreas ~ 1 cm^2! Os dispositivos electrónicos são geralmente formados por várias camadas de diferentes materiais (condutores, isoladores e semicondutores) e múltiplos contactos eléctricos, de forma a obter interrupção ou amplificação de sinais eléctricos num circuito. A parte semicondutora é o princípio activo dos dispositivos.

A área de dispositivos electrónicos faz também parte, e foi a grande impulsionadora, das nanotecnologias. O progresso na electrónica deveu-se essencialmente a miniaturização dos dispositivos, permitindo maior velocidade e funcionalidade em cada vez menos espaço e com menos energia, e conduziu ao desenvolvimento de toda a tecnologia que foi permitindo esta miniaturização. Actualmente os dispositivos em processadores são os objectos funcionais fabricados mais pequenos e têm dimensões na ordem dos 10 nanometros (10^-9 m, nm). Para pôr esta escala em perspectiva, lembramo-nos por exemplo que o ADN é uma cadeia hélica de ~ 1nm de diâmetro, o vírus da gripe tem um diâmetro ~ 100 nm, e um cabelo humano ~ 100,000 nm de diâmetro.  

No nosso laboratório na Universidade de Connecticut, Laboratório de Nanoeletrónica, estudamos novos tipos de transístores de silício e nos últimos anos temo-nos também concentrado em dispositivos baseados em materiais que mudam de fase (entre amorfa e cristalina) muito rapidamente (nanosegundos) e que são muito promissores para memória electrónica não-volátil, 1,000x mais rápida do que a actual. Apesar dos imensos progressos nesta área nos últimos 10 anos, muitos problemas continuam por perceber e resolver. Trabalhamos também em aspectos de termoelectricidade (conversão directa entre calor e electricidade) nestes e noutros dispositivos electrónicos. O trabalho no laboratório envolve a fabricação de dispositivos, caracterização eléctrica e microscópica, e modelos computacionais. Para além do trabalho de investigação, dou aulas de licenciatura e pós-graduação nas áreas de electromagnetismo, física e tecnologia de dispositivos electrónicos e nanotecnologías.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

Nas últimas décadas têm vindo a ser estudadas e desenvolvidas várias alternativas para substituir o transistor de silício, o qual passados mais de 60 anos continua a ser difícil de superar, mas que está a atingir os limites possíveis de miniaturização. Hoje em dia várias destas alternativas parecem estar a alcançar uma maturidade útil para tecnologias electrónicas futuras que permitam ainda maior velocidade e funcionalidade e progressos em muitas e variadas áreas como inteligência artificial para sistemas autónomos ou computação avançada para aplicações médicas. Contribuir de alguma forma para estes desenvolvimentos é entusiasmante e motivante.

Investigação em nanoelectrónica contribui também para o nossos conhecimentos de materiais e comportamentos electrónicos em geral e pode conduzir a avanços científicos e tecnológicos em áreas para além da dos dispositivos directamente. Um exemplo está relacionado com a conversão de energia termoelétrica, que estudamos no nosso laboratório, e cuja adopção prática tem sido limitada devido a eficiências muito baixas. Recentemente, tem sido observado que dispositivos em nano- e micro-escalas e utilização de materiais nano-estruturados parecem oferecer maior eficácia termoeléctrica e podem levar a uma maior utilização destes dispositivos para aproveitamento de calor desperdiçado (em veículos ou processos industriais, por exemplo).

Um aspecto inesperado, demográfico, da minha experiência nos Estados Unidos foi o baixo número de mulheres em ciência e engenharia no país, muito abaixo dos números em Portugal.

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

Não foi propriamente uma decisão de emigração, mas antes uma decisão de ir estudar fora. O plano era o de fazer o doutoramento nos Estados Unidos e de voltar para uma carreira científica, acadêmica ou na indústria, em Portugal. Estava a acabar o curso de Engenharia Física Tecnológica no IST, e durante os dois últimos anos tinha feito parte do laboratório de investigação de dispositivos electrónicos no INESC Lisboa, liderado por vários investigadores doutorados nos Estados Unidos. Fui "contagiada" pelo entusiasmo que encontrei neste laboratório pela área de dispositivos electrónicos e pela investigação em geral e decidi concorrer a programas de doutoramento nos Estados Unidos. Comecei o doutoramento em Física Aplicada na Universidade de Cornell, onde continuei na área de dispositivos, e onde usufruí de um ambiente académico geral muito interessante e enriquecedor. Depois do doutoramento tive oportunidade de continuar a trabalhar em ciência, primeiro num centro de investigação da Xerox, no norte do Estado de Nova Iorque, e depois na Universidade de Connecticut. As coisas foram correndo bem e fui ficando, com viagens a Portugal tão frequentes quanto possível.

Talvez um aspecto inesperado tenha sido o nível de internacionalização, diversidade, nas universidades americanas, em que, nas áreas de ciência e engenharia, a maioria dos estudantes pós-graduados, professores e investigadores vêm de outros países, e se interage com colegas de praticamente todo o mundo. Outro aspecto inesperado, também demográfico, foi o baixo número de mulheres em ciência e engenharia nos Estados Unidos, muito abaixo dos números em Portugal, que resulta em muitos programas para tentar atrair mais jovens mulheres para a ciência e me fez passar a ser parte de uma minoria.

A minha experiência de investigação em Portugal, como estudante de licenciatura, foi muito satisfatória e gratificante, e na altura (1996-1998) não senti quaisquer limitações em termos de recursos disponíveis.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Vivo há muitos anos nos Estados Unidos e infelizmente não estou muito a par do panorama científico actual em Portugal. Vou sabendo de várias iniciativas para continuar a expandir a ciência e o papel da ciência em Portugal e sei que há muitos centros de investigação muito produtivos. Vou sabendo também, especialmente nos últimos anos, das dificuldades de financiamento científico que seguem as dificuldades económicas gerais do país. A minha experiência de investigação em Portugal, como estudante de licenciatura, foi muito satisfatória e gratificante, e na altura (1996-1998) não senti quaisquer limitações em termos de recursos disponíveis. Trabalhei num laboratório muito activo e muito bem equipado no INESC Lisboa. Durante este período recebi até de uma Bolsa de Iniciação à Investigação Científica da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para estudantes de licenciatura. Fui depois também bolseira de doutoramento da FCT, o que me proporcionou uma vida de pós-graduação confortável sem preocupações financeiras. Tive, portanto, oportunidades muito boas que espero que continuem disponíveis para os jovens agora a iniciar carreiras científicas em Portugal.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

Fiquei muito entusiasmada quando soube da rede GPS e penso que é uma iniciativa muito interessante e necessária para ligar investigadores portugueses em Portugal e por todo o mundo. A possibilidade de encontrar cientistas portugueses por região, nome ou área científica é muito útil e pode fomentar maior comunicação e divulgação científica, colaborações entre laboratórios e cooperações sociais e educacionais. A rede pode também ser utilizada para facilitar a comunicação e apoio entre bolseiros, informação para alunos de licenciatura interessados em pós-graduações e encontros periódicos de cientistas em Portugal e noutros locais. Uma comunidade dinâmica de cientistas espalhados por todo o mundo com o interesse comum da ligação a Portugal pode criar muitas possibilidades.

Consulte o perfil de Helena Silva no GPS-Global Portuguese Scientists.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Autor
Portuguese, Portugal