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Competências matemáticas, precisam-se

A actual transformação digital da economia traz desafios ao mercado de trabalho – a quem já lá está e a quem vai entrar. A resposta não está só nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática.
9 min

Jovem, licenciado, vive em casa dos pais, tem trabalho precário e sonha constituir família. É assim o retrato dos jovens portugueses. Que competências lhes faltam para que possam ter um trabalho com um salário digno, sair de casa dos pais sem terem de sair do país e constituírem família? 

A actual revolução industrial, com um cariz fortemente digital, traz desafios aos jovens que vão entrar no mercado de trabalho, mas também aos trabalhadores em geral. Nesse sentido, têm sido muitos os estudos, bem como as recomendações que propõem uma maior aposta nas chamadas STEM (o acrónimo em inglês para designar as áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática).

Trata-se de uma recomendação que está no topo das preocupações governamentais, com, por exemplo, a proposta de alteração dos programas de Matemática – a ciência que está na base de todas as outras – nos ensinos básico e secundário, de maneira a responder a estes desafios.

No ensino básico, essas mudanças vão começar a fazer-se sentir nos 1.º, 3.º 5.º e 7.º anos e o desafio será a introdução do pensamento computacional como uma das capacidades a desenvolver pelos alunos do básico. Do que se trata? No documento com as novas Aprendizagens Essenciais, homologado em Agosto de 2021, refere-se o seguinte: «O pensamento computacional pressupõe o desenvolvimento, de forma integrada, de práticas como a abstracção, a decomposição, o reconhecimento de padrões, a análise e definição de algoritmos, e o desenvolvimento de hábitos de depuração e optimização dos processos. Estas práticas são imprescindíveis na actividade matemática e dotam os alunos de ferramentas que lhes permitem resolver problemas, em especial relacionados com a programação.»

Mudanças são também esperadas para o ensino secundário, incluindo o profissional – estas ainda estão em discussão, mas prevê-se uma aposta no reforço do pensamento computacional e na utilização de programação em linguagem Python em todos os cursos. Esta última trata-se de uma linguagem de programação fundamental para o desenvolvimento de sites e softwares, assim como para pôr em prática em áreas mais complexas como ciência de dados, inteligência artificial, etc..

Esta aposta na linguagem e no pensamento computacional é uma preocupação também da União Europeia e chega ao ensino superior por via de um financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a conhecida «bazuca». Em Portugal foram criados 25 novos cursos de ensino superior, com um total de 642 vagas, já para este ano lectivo. Destes, 36% estão no Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, com oito licenciaturas e 172 vagas, a funcionar na nova escola de Tecnologias Digitais, Economia e Sociedade, em Sintra. Nestes cursos, destacam-se a Matemática Aplicada à Transformação Digital, Política, Economia e Sociedade ou Robótica e Sistemas Inteligentes.

Maria de Lurdes Rodrigues, reitora do Iscte, recorda que “na base das STEAM está a Matemática” e reforça a importância de aprender uma «Matemática adequada», em todos os níveis de ensino e em todas as áreas (humanidades incluídas). A ex-ministra da Educação defende que, hoje, ter estas competências é tão prioritário como foi o aprender a ler, escrever e contar; ou a aprendizagem de uma língua estrangeira. «O futuro está baseado no tratamento de informação e, para compreender o mundo, temos de ter conhecimentos mínimos de Matemática e Informática. Se não, perdemos a possibilidade de participar na forma como esses dados são tratados», acrescenta.

A formação ao longo da vida não pode ser esquecida, já que são muitos os actuais trabalhadores que podem ver as suas funções tornarem-se obsoletas. Para tal, há que rever e avaliar as actuais ofertas formativas do Instituto de Emprego e Formação Profissional e actualizá-las. «Eliminar formações que não têm retorno. Falta uma cultura de avaliação, retirar consequências e não ficar na inércia», enumera João Cerejeira, professor de Economia da Universidade do Minho.

 

Dificuldades para os jovens desfavorecidos

Não há quem não sonhe em ter família, mas são os jovens portugueses que manifestam este desejo de forma mais intensa, revela um estudo recente da Merck (Setembro 2022), realizado em dez países da Europa, no âmbito das comemorações do Ano Europeu da Juventude. Assim, 72% dos millennial ou da geração Z quer constituir família, mas esse valor atinge os 82% em Portugal, um país em que os jovens são os que saem de casa dos pais mais tarde – aí permanecem até aos 33,6 anos, quando a média europeia é de 26,5, mostra o Eurostat.

Esta dificuldade em sair de casa dos pais tem vários factores. Se muitos dos países nórdicos pagam para que os jovens sejam autónomos quando ainda estão a estudar, essa não é uma prática portuguesa. Por exemplo, na Dinamarca não existem propinas no ensino superior, uma vantagem, sobretudo para os jovens mais desfavorecidos. Por cá, para muitos agregados familiares, o ensino superior continua a ser proibitivo não só por causa do custo das propinas, mas também de todas as despesas em torno desta opção, sobretudo quando o aluno está deslocado e tem gastos com arrendamento de um quarto ou de uma casa, alimentação, transportes, sem esquecer o material escolar.

Um jovem que termine o ensino superior endividado começa a sua vida profissional com um peso que em nada se assemelha a alguém que não tenha tido despesas durante esse período. Contudo, é claro que quem tira uma licenciatura ou mestrado está em vantagem comparativamente aos que se ficam pelo ensino médio.

Os dados mais recentes da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, mostram que no ano lectivo passado (2020/2021), o desemprego diminuiu entre os recém-licenciados, apontando para uma redução de 5% para 4% num ano. Havia 37 cursos sem nenhum aluno recém-licenciado inscrito no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), comprovando que ter uma formação de ensino superior compensa.

Na lista dos cursos sem desemprego destacam-se as áreas da saúde, com os cursos de Medicina, Farmácia e Bioquímica, assim como Enfermagem; mas também Engenharia Geoespacial, ou Dança (na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa). Já no fundo da tabela, com taxa igual ou superior a 17% de desemprego, estão formações na área do Turismo e Marketing em escolas politécnicas. Também os recém-licenciados de instituições privadas são mais impactados pelo desemprego (4,8%) – o que revela a importância de escolher instituições de referência e também a desigualdade no acesso ao ensino superior.

Susana Peralta, professora de Economia da Nova SBE, lembra que esta desigualdade começa nos bancos da escola, às vezes, na creche ou no pré-escolar. A economista dá como exemplo a actual falta de professores, se falha um professor de Matemática, como podem os alunos responder a um exame nacional sem recorrer a explicações? E quem é que tem poder de compra para oferecer esta actividade extracurricular aos filhos? Serão sempre os mais favorecidos, responde. Também Maria de Lurdes Rodrigues aponta a Matemática (bem como outras disciplinas no ensino secundário como as ciências naturais, a química e sobretudo a física) como um «seleccionador social», algo que é preciso combater.

 

Outras formações e garantir a retenção de talento

Já vimos que as STEAM podem ser a aposta para completar o ensino superior porque são das áreas de conhecimento com mais procura. Contudo, há outras que fazem manchetes como a falta de médicos ou de professores nos serviços públicos de saúde e educação, respectivamente, assim como há falta de trabalhadores nas áreas da restauração, hotelaria e turismo.

O envelhecimento da população não ajuda. De acordo com as previsões do Ageing Report da Comissão Europeia (Maio 2021), Portugal faz parte do grupo de países da União Europeia (UE) com pior dinâmica demográfica – a par com a Itália, Finlândia e Grécia. A população portuguesa deverá diminuir de 10,3 milhões, em 2019, para 8,5 milhões em 2070; e espera-se que entre 2019 e 2050 a população activa diminua de 4,9 milhões para 3,9 milhões (mais de 20%).

Também a Pordata fez as contas e calculou, em Agosto passado, a evolução, entre 2015 e 2020, nos vários países da UE e concluiu que em Portugal, actualmente, há quase duas vezes mais idosos do que jovens e crianças. Um dos impactos imediatos é a falta de trabalhadores em áreas estratégicas para o país, como a educação, a saúde, o turismo, bem como as novas tecnologias.

Esta carência de trabalhadores vai agravar-se com o aumento das aposentações e a quebra da natalidade – apesar do forte desejo de constituir família, os jovens portugueses percepcionam que essa é uma vontade difícil de concretizar quando os salários permanecem pouco atractivos.

Aponta o estudo «Do made in ao created in – Um novo paradigma para a economia portuguesa», coordenado por Fernando Alexandre, professor de economia da Universidade do Minho, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em Outubro de 2021, que o empobrecimento de Portugal, em relação à UE pode acelerar os fluxos de emigração, em especial dos jovens mais qualificados, tendo como consequência enfraquecer o potencial de crescimento do país e criando «um círculo vicioso de expectativas diminuídas de melhoria nas condições de vida».

Com o crescimento económico estagnado há duas décadas, Portugal é o 20.º país com menor produtividade da UE e tem um problema crítico de baixos salários. Com trabalho precário que os impede de sair de casa dos pais e constituir família, muitos jovens acabam por optar pela emigração.

Para João Cerejeira, professor de Economia da Universidade do Minho, a solução para reter talento no país passa por, na impossibilidade de oferecer salários mais altos, dar aos jovens condições contratuais mais atractivas, como contratos sem termo ou condições de progredir na carreira. O investigador dá o exemplo do êxodo dos enfermeiros que emigram com a perspectiva de ter uma carreira e obter estabilidade; ou dos jovens que tentam fazer carreira na investigação e que «vivem de bolsas», sem qualquer vínculo às instituições.

Também a habitação é, neste caso, uma variável relevante. «O sucesso que a cidade de Braga teve na atração de jovens qualificados para as empresas de TIC teve, em parte, a ver com o facto de os custos de habitação serem mais baixos ali do que em cidades vizinhas. Na prática, isso torna o salário real, disponivel para consumo de outra natureza, mais elevado», adianta.  

Aliado aos baixos salários, a gestão de pequenas e médias empresas está a cargo de empresários com poucas qualificações – segundo um estudo «Estado da Nação», da Fundação José Neves (Junho 2022), quase metade dos empregadores e gestores portugueses não completaram o ensino secundário (47,5%, quase três vezes mais que a média da UE: 16,4%), o que tem um forte impacto na produtividade.

Também estas empresas vivem «a curto prazo», classifica João Cerejeira. «Há receio em apostar nas pessoas», oferecendo-lhes salários baixos e nenhumas perspectivas de estabilidade. «Quando não podemos pagar mais, então temos de dar alguma compensação», insiste, acrescentando que muitos jovens estão disponíveis a permanecer no seu país, com salários mais baixos, mas com perspectivas de progressão na carreira e de estabilidade.

No âmbito do Estado da Nação, da Fundação José Neves, é defendida uma aposta na educação e aprendizagem ao longo da vida, bem como na formação de adultos – afinal, o país tem o maior fosso intergeracional da UE nos níveis de qualificação da sua população activa. Já, o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos também defende uma maior aposta na educação, inclusive na capacidade de as instituições portuguesas atraírem talentos estrangeiros. O estudo propõe um novo paradigma de crescimento, menos baseado em mão-de-obra barata e mais na inovação, logo, em trabalhadores mais qualificados e, também, mais criativos.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pela autora. 

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