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Cientistas GPS #55: Estudar se o setor elétrico contribui para uma economia limpa é «fundamental»

Entrevista GPS #55: Estudar se o setor elétrico contribui para uma economia limpa é «fundamental»

Entrevista a Guillermo Ivan Pereira, luso-argentino que produz investigação em sistemas sustentáveis de energia na Universidade de Manchester, no Reino Unido.
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Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Trabalho na área de sistemas sustentáveis de energia, onde me foco na avaliação e análise de políticas públicas, instituições e organizações, e de como estas se adaptam para um futuro mais sustentável. Um sistema de energia sustentável engloba a promoção e o consumo de energias renováveis, como a de origem solar ou eólica. Não desperdiça recursos por meio de aumentos de eficiência energética e permite o transporte de uma forma menos poluente com recurso a veículos elétricos. Todas estas áreas tem uma componente muito visível, a tecnológica e a da infra-estrutura, ou seja, as torres eólicas, os painéis solares e os contadores inteligentes instalados em nossas casas. O meu trabalho passa por entender como diferentes políticas e programas de apoio contribuem para a difusão de tecnologias mais sustentáveis e como empresas e instituições se transformam para promover o uso destas tecnologias.

Ao longo dos últimos anos trabalhei num conjunto de projetos abrangente. Um deles relacionado com emprego verde, focado em compreender como a promoção de eficiência energética contribui para a criação de emprego. Outro projeto focou-se em desenvolver um modelo de avaliação de apoios públicos à energia solar, de modo a compreender o impacto de diferentes abordagens na difusão de tecnologia fotovoltaica, tendo em conta a experiência internacional, bem como os desafios e aprendizagens obtidos a partir de diferentes regiões. O mais recente e mais aliciante trabalho em que estou envolvido tem a ver com a adaptação do setor elétrico para um futuro com mais presença de energia de fonte renovável: veículos elétricos, armazenamento de energia, geração de energia pelos consumidores, bem como uma maior preocupação ambiental. Estas alterações vêm romper com um passado bastante estável ao nível do que era esperado da infra-estrutura do setor elétrico e das suas empresas. O meu trabalho centra-se em compreender as novas formas como as empresas do setor elétrico prestam serviços, criam valor, e como acompanham (ou não) a pressão e necessidade de se transformarem para um futuro mais sustentável.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

Trabalhar na área de sistemas sustentáveis de energia é trabalhar num futuro de longo prazo, sendo que as discussões de transição energética e transformação da infra-estrutura tendem a ser feitas com projeções que rondam os 30 anos. Assim é normal ter que considerar os impactos de diferentes opções no horizonte temporal de 2050, o que é muito motivador e desafiante dado o impacto de longo prazo que a política energética pode ter na sociedade.

A minha abordagem para os desafios da transição energética é multidisciplinar e agrega um conjunto de interesses: por um lado, em infraestrutura critica para a prestação de serviços públicos, como por exemplo as redes de distribuição de eletricidade; e por outro lado, na adaptação de políticas publicas e organizações. Atualmente, estou a analisar como as empresas tradicionais do setor elétrico se estão a adaptar face a novas tecnologias e pressões externas. Entender como estas empresas se estão a transformar e das quais dependemos todos os dias, pois são elas que nos trazem a eletricidade a casa, é extremamente aliciante. Identificar se são estas ou outras empresas que vão contribuir para alcançarmos uma economia limpa é uma peça fundamental do puzzle de desenvolvimento sustentável.

Deve promover-se mais a multidisciplinaridade ao longo de todo o sistema científico, desde a formação académica até ao desenvolvimento de ciência.

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

A decisão de fazer investigação no estrangeiro foi motivada pela possibilidade de desenvolver competências num novo contexto, com acesso a novos recursos, bem como pela oportunidade de envolver-me em novos projetos científicos. Em Boston, Estados Unidos, desenvolvi investigação no Massachusetts Institute of Technology e na Boston University. No Rio de Janeiro, Brasil, desenvolvi investigação na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Através destas experiências tive a oportunidade de aprender e trabalhar com peritos na área dos sistemas de energia e especialistas de transformações industriais e organizacionais. O acesso a este conhecimento contribuiu com novas perspetivas e abordagens para o meu trabalho.

A nível académico encontrei abertura e curiosidade por novas abordagens aos atuais desafios do setor energético. Um exemplo disto foi a forma como o meu foco e trabalho em investigar mudanças organizacionais em empresas do setor elétrico foi recebido por um dos peritos em Boston, que dedicou a sua carreira ao setor elétrico. Ele acabou por dar-me diversas oportunidades de exposição do meu trabalho e acesso a outros especialistas que trabalham na área de energia e sustentabilidade. No estrangeiro encontrei também uma maior abertura para trabalho e linhas de investigação multidisciplinares. Tanto o meu perfil, como a linha de trabalho que desenvolvo são multidisciplinares. Fazer parte de equipas com investigadores multidisciplinares e em instituições que promovem o cruzamento de diferentes áreas do saber foi também uma experiência positiva e enriquecedora.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Trabalhar em sistemas sustentáveis de energia requer a cooperação e o envolvimento de diversas áreas do saber, desde a engenharia eletrotécnica, a engenharia mecânica, a gestão, a arquitetura, todas elas com uma visão complementar para o que é um desafio social imenso, que requer soluções completas para restrições complexas. Na Universidade de Coimbra, onde me formei, tive a oportunidade de desenvolver o meu trabalho na Iniciativa Energia para a Sustentabilidade (EfS), que foi criada com a multidisciplinaridade como um aspeto central. Isto permitiu-me ter acesso a conhecimento e recursos que por vezes se encontram mais distantes, organizados em diferentes silos de conhecimento. Fazer parte da iniciativa EfS permitiu-me entender a importância e valor acrescentado da multidisciplinaridade, e também como é possível implementar este tipo de abordagens e produzir ciência e conhecimento de excelência em equipas diversas com competências distintas.

O sistema científico e tecnológico nacional deve cada vez mais considerar fazer uma ponte real e eficaz entre o desenvolvimento de ciência e os desafios sociais, como é caso dos sistemas sustentáveis de energia. Deve promover-se mais a multidisciplinaridade ao longo de todo o sistema científico, desde a formação académica até ao desenvolvimento de ciência. Isto pode traduzir-se numa nova forma de alocar financiamento competitivo, avaliar programas pedagógicos, bem como nas métricas e definição de carreira dos cientistas e no acesso a oportunidades por cientistas com perfis multidisciplinares tanto na academia como na indústria.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

A plataforma GPS veio trazer visibilidade à comunidade de cientistas portugueses que se encontram a desenvolver conhecimento e ciência em mais de 100 países. Já se sabia que a rede de cientistas portugueses pelo mundo é extensa, mas agora com esta plataforma conseguimos ir muito mais além desta ideia geral, sabemos com mais detalhe quem são estes cientistas, o que fazem, onde estão. A visibilidade é importante pois permite observar a dinâmica das carreiras dos nossos cientistas, bem como a diversidade de áreas do saber e regiões nas quais Portugal se encontra representado, o que se traduz em oportunidades de cooperação e colaboração, bem como de partilha de conhecimento e experiências.

Outro aspeto importante que o GPS também possibilita é a criação de ligações e interações entre esta rede de cientistas, que se encontram agora ligados numa plataforma moderna e simples de utilizar. O GPS conta ainda com um potencial agregador amplo, o qual vem complementar os esforços que já existiam de agregar grupos de cientistas portugueses em diferentes regiões, como a PAPS na América do Norte e o PARSUK no Reino Unido.

Consulte o perfil de Guillermo Ivan Pereira no GPS-Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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Portuguese, Portugal