A
A
PISA: Do progresso à ponderação

PISA: Do progresso à ponderação

Artigo de opinião de Helena Damião, especialista de assuntos educativos da Universidade de Coimbra.
5 min
Num texto para o blog da Fundação, Helena Damião fala da importância dos resultados recentes dos alunos portugueses nos PISA, mas refere também que não devem ser descuradas as outras competências da aprendizagem dos alunos.

 

Quando, no início do século, se aplicou pela primeira vez o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), não pude deixar de ficar impressionada com a sua qualidade metodológica e técnica. Vi nele um sólido edifício, merecedor de admiração e de confiança: os dados que trienalmente disponibilizaria em relação à literacia em Matemática, em Ciências e em Leitura permitiriam, por certo, uma reflexão consistente e alargada sobre as políticas educativas e sobre o ensino.

Mantendo esta primeira impressão, fui percebendo, já mais perto da terceira aplicação do que da segunda, as suas implicações nas reformulações curriculares que os países e regiões que nele participavam faziam, no sentido de ajustarem a aprendizagem aos critérios de sucesso académico explicitados.

Nesta sexta edição do PISA, quando os resultados dos nossos alunos de quinze anos, divulgados há poucos dias, colocaram Portugal acima da média da OCDE nos três referidos domínios de literacia, não obstante a sensação de triunfo que isso nos possa ter trazido, e talvez por isso mesmo, importa pensar nesses critérios. Serão eles adequados e suficientes para conduzir e avaliar a educação formal?

Uns destacam o empenho dos professores, não só no trabalho de sala de aula mas também no recurso a novas técnicas de avaliação; outros destacam decisões da tutela, sobretudo as que implicaram alterações a programas e a exames; outros destacam a pressão social para que as escolas “prestem contas”.

O PISA entre nós

Na aplicação inicial do PISA, em 2000, Portugal situou-se muito próximo do último lugar na tabela classificativa. Diversos sectores da sociedade mostraram apreensão face ao funcionamento e desígnios do sistema educativo; escolas e, de modo particular, os professores sentiram o seu trabalho posto em causa. Analisado o problema de múltiplos ângulos e feitas as acusações que, nestes casos, vêm a terreiro, foram tomadas medidas de âmbito macro e micro, umas mais acertadas do que outras, dependendo este juízo do alinhamento teórico e ideológico dos seus autores

Enfim, tacteámos como soubemos e pudemos, sendo que só na terceira aplicação, em 2006, se começaram a ver ligeiras melhorias no desempenho dos alunos. Melhorias que, tendo evoluído de modo consistente, nos conduziram agora a um simpático lugar: entre os vigésimos concorrentes (eram setenta e dois).

A surpresa não se viu só entre nós, vários países fizeram eco dela: jornais em papel e online, programas de rádio e de televisão indagaram-se sobre a nossa inesperada posição; especialistas e políticos avançaram análises e opiniões, algumas delas baseadas na extensa e pormenorizada informação extraída do relatório geral, publicado pela OCDE, e do relatório respeitante a Portugal, publicado pelo Instituto de Avaliação Educacional (IAVE).

Destaca-se nessas análises e opiniões a preocupação de encontrar uma razão ou um conjunto de razões capazes de explicar o “segredo” do triunfo. Uns destacam o empenho dos professores, não só no trabalho de sala de aula mas também no recurso a novas técnicas de avaliação; outros destacam decisões da tutela, sobretudo as que implicaram alterações a programas e a exames; outros destacam a pressão social para que as escolas “prestem contas”, o que as obriga a ter mais atenção à evolução dos alunos e a intervir atempadamente; e poderíamos continuar…

Nesta dissensão interpretativa que, de facto, encontramos na comunicação social, é possível vislumbrar um ponto em que parece haver acordo: demos um passo em frente ao termos levado os alunos a um patamar mais elevado em Matemática, em Ciências e em Leitura.

Se conseguimos dar um passo tão positivo no que respeita à demonstração das competências que o PISA requer, talvez possamos retomar ou reforçar o que, na aprendizagem escolar, parece estar a ser sacrificado, em nome dessa demonstração.

Além do PISA

Lembremos que o programa de avaliação em causa não mede, nem seria de esperar que medisse, todas as aprendizagens que o ensino básico deve proporcionar nos seus três ciclos; mede, em concreto, as “competências funcionais” que os três domínios disciplinares em causa poderão proporcionar “na resolução de situações relacionadas com o dia-a-dia das sociedades contemporâneas” e que são consideradas especialmente adequadas para o desenvolvimento económico-financeiro.

Assim apresentadas, tais competências assumem um carácter instrumental, sendo de esperar que se manifestem a curto prazo, desejavelmente, em benefício de cada um e do colectivo. Remetendo para uma dimensão específica de aprendizagem – a das competências funcionais – não deve esta confundir-se com o currículo total, ou sequer com o núcleo curricular com maior peso e reconhecimento. De facto, a par desta dimensão, o currículo tem necessariamente de integrar uma dimensão a que se reconheça valor em si, que valha “apenas e só” pelo conhecimento que inclua.

Não obstante esta declaração, com a qual muitos estarão de acordo, vemos que o primeiro tipo de valor, associado às vertentes pragmáticas das ciências exactas, da matemática e das línguas materna e inglesa, tende a ganhar preponderância nas reformas curriculares enquanto o segundo tipo de valor, associado às artes e às humanidades mas também ao que no campo das ciências e da matemática remeta para um recorte clássico, tende a perder protagonismo nessas reformas.

É preciso, pois, reafirmar que os dois tipos de valor podem perfeitamente andar a par; melhor, devem andar a par. Na verdade, é a sua conjugação no currículo que possibilitará, às novas gerações, o acesso a um conhecimento civilizacional que se espera que a escola assegure. Desviando-nos desta rota, seguindo apenas por um caminho, deligando-nos do outro, estaremos a agudizar uma nova crise na educação da qual não ainda não tomámos a devida consciência.

Este cenário está longe de ser exclusivo do nosso país mas isso não nos desobriga de o ponderar com particular empenho, não só com a preocupação que ele suscita mas também com o optimismo necessário à sua superação.

Talvez seja este o momento certo, pois se conseguimos dar um passo tão positivo no que respeita à demonstração das mencionadas competências, talvez possamos retomar ou reforçar o que, na aprendizagem escolar, parece estar a ser sacrificado, em nome dessa demonstração. E que não tem de o ser.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal