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Breve história da pandemia – o que as mortes nos têm vindo a gritar

Breve história da pandemia – o que as mortes nos têm vindo a gritar

A directora da Pordata, Luísa Loura, analisa a pandemia e explica como o número de mortes, de todos os sinalizadores, é aquele que melhor consegue resumir a história deste vírus.
8 min
Aprimeira morte oficialmente atribuída à Covid-19 foi reportada pela China e data de Janeiro de 2020. A alta transmissibilidade e o rápido desenvolvimento de formas graves da doença fizeram soar todos os alertas.

Com maior ou menor eficácia, com maior ou menor determinação no combate ao vírus, todos os governos tiveram de colocar nos pratos da balança os impactos na economia e as perdas evitáveis de vidas por sobrecarga dos hospitais.

O número de vidas perdidas para a Covid em cada país sinaliza, assim, não só a propagação do vírus como, também, a capacidade do sistema de saúde para acolher e tratar os casos extremos. De todos os sinalizadores, é aquele que a posteriori melhor consegue resumir a história da pandemia. Transcorridos que foram dezanove meses, uma primeira constatação é de que a leitura dos números tem de ser feita em função da dimensão dos países. Nos muito grandes como os Estados Unidos, Canadá ou Brasil, rácios por habitante aparentemente baixos escondem realidades locais de grande gravidade. Por outro lado, há ainda que ter em conta o efeito de “rastilho” da densidade populacional nos países pequenos e a maior probabilidade de ocorrência de mortes nos países mais envelhecidos.

Todos os governos tiveram de colocar nos pratos da balança os impactos na economia e as perdas evitáveis de vidas por sobrecarga dos hospitais.

Na Pordata temos vindo a seguir a publicação diária destes números nas páginas do ECDC e do Worldometer e, na sequência, divulgamos tendências e rankings para um grupo alargado de países através de gráficos dinâmicos.

Dos 222 países que constam da lista do Worldometer a nossa selecção recaíu sobre 68 deles, de acordo com algum dos seguintes critérios: pertencer à OCDE (36 países), pertencer à UE (27 países), pertencer à CPLP (9 países) ou ter mais de 50 milhões de habitantes (29 países). Alguns dos países verificam em simultâneo dois ou mais critérios – há 22 países que pertencem às duas primeiras organizações internacionais (Portugal pertence às três) e há 3 países da UE27 e OCDE com mais de 50 milhões de habitantes (Alemanha, França e Itália).

Para ficarmos com uma visão mais concreta das características destes 68 países organizámo-los na tabela seguinte em grupos mais pequenos de acordo com o tamanho (em termos do número de habitantes), densidade populacional e envelhecimento:

Quadro
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Portugal é um país pequeno, com uma densidade populacional média e muito envelhecido.

O primeiro facto revelador da velocidade com que o vírus se espalhou pelos quatro cantos do mundo é este: dos 68 países aqui analisados, apenas 11 tiveram a primeira morte por Covid depois de Março de 2020. São eles

Eslováquia, Letónia, Malta, Etiópia, Guiné-Equatorial, Guiné-Bissau e Myanmar (Abril de 2020)

Moçambique e São Tomé e Príncipe (Maio de 2020)

Vietname (Agosto de 2020)

Timor-Leste (Abril de 2021)

Em 7 deles a primeira morte ocorreu antes de março

China (Janeiro de 2020)

França, Irão, Itália, Japão, Filipinas e Coreia do Sul (Fevereiro de 2020)

Todos os restantes 50 tiveram a primeira morte em Março de 2020.

A ocorrência da primeira morte foi, na maioria dos países, o prenúncio de períodos difíceis, com o número de mortes a subir a ritmo crescente até se sentirem os efeitos das medidas de confinamento. Neste momento, com todo o histórico de dados, conseguimos até identificar em escala de cores os períodos calmos, os períodos de alerta e os períodos difíceis por que cada país passou.

Quadro
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Números redondos, estar no verde para Portugal significa que nesse dia houve menos de 30 mortes. Os patamares seguintes são 100 (amarelo), 200 (laranja) e mais de 200 mortes significa que está no vermelho. Recorde-se que durante o pico mais grave da pandemia, em Janeiro de 2021, Portugal chegou a registar 303 mortes num só dia.

Pela própria natureza da doença, não havendo medidas de confinamento, tanto o número de casos como o número de mortes evoluíria num crescendo constante até que os níveis de imunidade lhe conseguissem dar travão. Uma vez que tanto os países como as próprias pessoas adoptaram medidas de protecção, o que se observou nos números foram efeitos de onda, com os períodos mais gravosos a serem precedidos e procedidos de períodos nas sucessivas escalas de cores (o caso de Portugal é bem ilustrativo):

Gráfico
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Os gráficos valem sempre mais que mil palavras mas, como temos 68 países espalhados de lés a lés, a visão do que de mais grave se foi passando será aqui dada através de grandes números.   

Comecemos por olhar para os primeiros nove meses de pandemia – Janeiro a Setembro de 2020:

Na China o número de mortes atingiu os 3 milhares em pouco mais de um mês mas nunca chegou a escalar para todo o país e, face aos seus bilião e meio de habitantes, na nossa escala de cores manteve-se quase sempre no verde, apenas com 13 dias, em Fevereiro, no amarelo e 1 no laranja.

Entretanto o vírus já se estava a disseminar na Europa e os países que sofreram as primeiras grandes ondas pandémicas foram a Itália, a Bélgica, a Espanha e a França com 35, 17, 25 e 24 dias no vermelho, respectivamente, entre Março e Abril. Seguiu-se o Reino Unido, que esteve 15 dias no vermelho, em Abril, e, do outro lado do Atlântico, o mesmo aconteceu nos Estados Unidos. Sem nunca entrar no vermelho, a Suécia foi o país que mais dias esteve no amarelo e laranja entre Março e Maio (65 dias).

O Verão no hemisfério Norte trouxe uma trégua, com todos os países da Europa no verde entre a segunda quinzena de Junho e o final de Setembro. Já o hemisfério sul, que tinha mantido uma acalmia relativa durante os primeiros meses da pandemia, começou a fazer soar os sinais de alerta. O México esteve 40 dias no laranja, a Colômbia 44, o Chile 10 e, no continente Africano, a África do Sul esteve 9 dias no laranja e a Guiné-Equatorial 2.

No final de Setembro, em 10 dos 68 países, o total de mortes por cada milhão de habitantes ultrapassava já o meio milhar. A Bélgica, país pequeno e rico mas de muito elevada densidade populacional, distanciava-se largamente de todos os restantes:

Tabela
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Portugal e os países do leste da Europa, que tinham conseguido travar a escalada da pandemia até ao final de Setembro, tiveram nos seis meses seguintes (de Outubro de 2020 a Março de 2021) os seus momentos mais angustiantes. A República Checa, a Bulgária e a Eslovénia tiveram fortes ondas logo em Outubro e Novembro, seguindo-se a Eslováquia e Portugal. Todos estes países atingiram o vermelho na nossa escala de cores, o mesmo tendo vindo a acontecer à Hungria entre Março e Abril. Na zona central da Europa, a Itália, a França e a Alemanha também registaram números extremamente elevados no pico do Inverno. Por outro lado, o Reino Unido e os Estados Unidos estiveram perto de 30 dias no vermelho ao longo dos meses de Janeiro e Fevereiro. Na América Central o México enfrentou uma onda nesse mesmo período, com 13 dias no vermelho e, na América do Sul, o Brasil viu iniciar-se em Março uma forte onda pandémica que rapidamente atingiu níveis críticos. Ainda em Março esteve 9 dias no vermelho mas viria a estar mais 27 dias entre Abril, Maio e Junho.

Entre o início de Outubro de 2020 e o final de Março de 2021, foram 13 os países que ultrapassaram o milhar de mortes por cada milhão de habitantes, entre os quais Portugal. A República Checa, país pequeno e muito envelhecido do leste europeu, registou neste período o maior número de mortes face à sua população:

Tabela
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Nos meses que se seguiram, o Brasil não foi o único país a ultrapassar níveis críticos de mortalidade. Enquanto a vacinação não conteve o aparecimento de casos graves da doença, a Hungria, a Bulgária, a Polónia e também a Colômbia e o Chile continuaram a registar um número excessivo de mortes.

De facto, a vacinação em massa dos residentes dos países ricos (que são, nos nossos 68, a larga maioria) veio trazer um enorme alívio da pressão dos serviços de saúde com a consequente redução no número de vidas perdidas para a Covid-19. Apenas 9 países ultrapassaram o meio milhar no rácio de óbitos por cada milhão de habitantes, entre 1 de Abril e 31 de Agosto. O Brasil e a Colômbia foram os únicos países com um rácio superior a 1000 e Portugal não atingiu a centena:

Quadro
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Infelizmente, é muito possível que, com variantes mais agressivas, outros países comecem a registar números demasiado altos enquanto não dispõem de vacinas: a Indonésia, o Vietnam, Myanmar e o Irão entraram recentemente no nível laranja da nossa escala de cores e a África do Sul está com números já muito próximos do vermelho. Também a Rússia tem vindo a enfrentar uma situação especialmente adversa desde meados de Junho, com dias sucessivos de então para cá a ultrapassarem as 5 mortes por milhão de habitantes, ou seja, está há 75 dias no nível laranja.

Olhámos para três períodos de tempo, cada um deles revelou uma pequeníssima parte da história da pandemia, aquela que esconde os maiores sofrimentos, e o pior, ora foi recaindo sobre uns países ora sobre outros. Como cômputo final, fica a lista daqueles que ultrapassaram o milhar e meio de mortes por cada milhão dos seus habitantes. São 20 ao todo, entre os 68. Portugal figura entre esses 20. Para alguns a densidade populacional e o envelhecimento explicarão parte da diferença nos números mas para outros (Brasil, México, Chile, Estados Unidos, Reino Unido, França, Polónia e Roménia) serão outras as explicações …

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O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pela autora.

Portuguese, Portugal