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Futebol: as contas de sumir

Futebol: as contas de sumir

Artigo de opinião de Fernando Sobral, o autor do livro «Futebol: o Estádio Global», publicado pela Fundação.
4 min

Um dos mais carismáticos treinadores britânicos de todos os tempos, Matt Busby, que fez parte da história do Manchester United, disse um dia uma frase lapidar: “O futebol não é nada sem os adeptos”. Não é. São eles que trazem a emoção para os estádios e a continuam fora deles. Sem eles os clubes são apenas empresas comerciais, com muito Excel e pouco coração. Mesmo numa altura em que o futebol de alta competição se tornou refém de milionários e de fundos de investimento, e dos próprios interesses comerciais da UEFA e da FIFA, são os adeptos que o tornam um espectáculo sem paralelo. O Covid-19 veio afastar os adeptos dos estádios. Sem a sua presença, nos estádios, o jogo é diferente. Agora, quando há um golo espectacular, uma finta estonteante, o choque entre dois jogadores, uma defesa impossível, uma falta notória, não há som. Falta a pressão dos adeptos. A sua euforia. O coro de assobios. Ver o jogo na televisão é diferente. Os jogadores estão de um lado, os adeptos de outro. Falta a faísca.

Mas o Covid-19 trocou as voltas ao futebol de muitas outras maneiras. Ao afastar os adeptos dos estádios, retirou uma receita fundamental para muitos clubes (especialmente os que não ocupam os lugares cimeiros das competições e não têm outras receitas associadas a isso). Em Portugal, onde as receitas televisivas e de bilheteira são fundamentais para que a maioria dos clubes profissionais equilibre as contas, o epílogo da pandemia poderá ser calamitoso. As contas ainda estão para se fazer, mas a normalidade poderá não regressar tão depressa como muitos esperam. Se clubes como o FC Porto, Benfica e Sporting têm receitas televisivas e de transferências de jogadores que lhes permitem estar mais a salvo das feridas do Covid-19, as implicações do vírus na economia desportiva poderão ser muito gravosas. A saída da NOS de patrocinadora da principal liga de futebol é apenas um sinal de que algo vai mudar. Talvez não haja, num futuro próximo, tanto dinheiro para patrocinar uma liga que está cada vez mais longe das “cinco principais” (Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França). E isso vai reflectir-se na distribuição de receitas. Os patrocínios poderão também nivelar por baixo, tirando saúde financeira a muitos clubes. E, desde logo, as transferências milionárias que alimentaram os principais clubes portugueses nos últimos anos poderão não se realizar pelos valores que se esperariam.

Os grandes clubes da Europa, mesmo sentados em financiadores saudáveis, estarão menos dispostos em contratar, por dezenas de milhões de euros, tudo o que se move. E isso terá consequências em equipas como Benfica, FC Porto e Sporting. E, talvez, também no Sporting de Braga. Cada vez mais longe da elite do futebol europeu (basta ver que a fase final da Liga dos Campeões, a ser realizada em Lisboa por causa da pandemia, não conta com nenhuma equipa portuguesa), ao futebol português falta músculo financeiro e, por via disso, desportivo. É um futebol incapaz de reter os mais talentosos e até, cada vez mais, de atrair os potenciais craques que aqui faziam estágios para se adaptar aos campeonatos europeus mais atractivos.

Olhe-se para a Europa do futebol. Na Alemanha há um gigante, o Bayern de Munique, que pode comprar os melhores jogadores do seu campeonato e fora dele. Os seus fundos são praticamente ilimitados. Em Espanha, Real Madrid e Barcelona têm patrocínios e contratos publicitários que fazem com que contratem ou consigam manter as melhores estrelas a peso de ouro. Na Grã-Bretanha, Arsenal, Chelsea, Manchester United e Manchester City têm capacidade imponente para adquirirem os melhores craques para as suas equipas. Mesmo em França, a chegada do dinheiro da Rússia e dos países árabes transformou o Mónaco e o PSG em centros da excelência futebolística. Contra isto, que poder têm os melhores clubes portugueses? Quase nenhum.

O Covid-19 não trouxe boas notícias ao futebol português. Nem ao precário equilíbrio interno, nem às ambições internacionais. As receitam irão escassear, para os mais e para os menos poderosos. No fim, não se farão contas de somar. Mas sim, de sumir. O que será devastador para os adeptos, a maior razão do futebol.

Fernando Sobral é autor do livro Futebol: o Estádio Global, disponível na loja online da Fundação por apenas 3,15€. Com 10% de desconto, portes de envio gratuitos e possibilidade de pagamento via Multibanco, crédito ou MB WAY.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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