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Por mares nunca antes navegados

Por mares nunca antes navegados

Antecipa-se a mais grave crise económica desde a Segunda Guerra Mundial. Na economia nacional, o Banco de Portugal estima quebras entre 3,7% e 5,7% do PIB em 2020, diz o economista Fernando Alexandre.
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Os primeiros casos do novo coronavírus foram detectados na China, em Dezembro de 2019. Quatro meses depois, a crise sanitária e económica causada pelo vírus SARS-CoV-2 atinge todo o planeta.

A rapidez com que atingiu a Europa gerou o caos nos sistemas de saúde do Norte de Itália e da região de Madrid – a região mais rica de Espanha.

A incapacidade dos sistemas de saúde poderem garantir os cuidados a toda a população infectada, e a inexistência de medicamentos e de vacina, levou a generalidade dos países a adoptarem medidas de quarentena e/ou fortes restrições à mobilidade das pessoas. Na União Europeia os controlos de fronteiras foram repostos. Os voos entre países, para transportes de cidadãos, foram limitados a situações de emergência.

Para travar a propagação da Covid-19 os governos estão a impor uma travagem brusca das economias. Um dilema novo para os governantes.

O sector do turismo, da aviação, do comércio e todas as actividades económicas que envolvem contacto social estão interrompidas. Sem receitas, a liquidez para as empresas fazerem face aos compromissos com os trabalhadores, o Estado e os bancos é muito reduzida. As pequenas e médias empresas não aguentarão muito mais de um mês.

Algumas previsões apontam para a falência técnica das principais companhias aéreas já em Maio. Sem passageiros, o governo conservador inglês renacionalizou os caminhos de ferro privatizados, nos anos de 1980, por Margaret Thatcher.

A falta de mão-de-obra e a quebra do consumo e do investimento colocam em causa o normal funcionamento das cadeias de produção e de distribuição. A indústria automóvel europeia está parada, bem como outros sectores de bens de consumo e de investimento.

A crise está no seu início, mas o Fundo Monetário Internacional anunciou que a economia mundial já estará em recessão. A OCDE estima que cada mês de quarentena terá um custo anual de 2% do PIB. 

Para a economia portuguesa, o Banco de Portugal estima uma quebra entre 3,7% e 5,7% do PIB em 2020. Antecipa-se a mais grave crise económica desde a Segunda Guerra Mundial.

Nesta fase, os bancos centrais e os governos têm como objectivos principais impedir falências em catadupa e, simultaneamente, garantir o emprego e o rendimento das famílias.

Os Estados Unidos aprovaram um plano económico e financeiro para combater a crise covid-19 que ultrapassa largamente o da crise financeira internacional de 2008.

A União Europeia deixou cair os limites impostos aos défices orçamentais. Os países membros da UE têm vindo a anunciar medidas de acordo com a sua capacidade orçamental.

Como seria de esperar, a Alemanha – um dos poucos países que reduziu o peso da dívida no PIB desde 2007 (de 64% para 59%) – anunciou o pacote de medidas mais ambicioso, no valor de 500 mil milhões de euros.

Para a área do Euro, o Banco Central Europeu anunciou um novo programa de compra de dívida pública no valor de 750 mil milhões de euros (Pandemic Emergency Purchase Programme) e abdicou dos limites à compra de dívida de cada país.

Pode parecer muito, mas a UE terá de ir mais longe nas suas medidas comuns de combate à crise.

No final de 2019, um relatório da OCDE mostrava que a dívida mundial em percentagem do PIB continuava a bater recordes, tendo-se fixado em cerca de 325%. Haverá crédito para satisfazer todas as necessidades simultâneas de endividamento de milhões de empresas e de mais de 100 países para combater a Covid-19?

Sabemos que serão as economias mais frágeis, em particular as economias em vias de desenvolvimento, aquelas que terão de enfrentar mais dificuldades. Se tiverem crédito, pagarão por ele um preço muito elevado. Aí o dilema entre a saúde pública e a saúde da economia será sentido ainda mais drasticamente.

Numa crise em que somos obrigados a ficar em casa e as fronteiras estão fechadas, nem a emigração temos como opção.

Nesta crise planetária, o combate eficaz ao SARS-CoV-2 exige uma estreita colaboração entre os países. Estamos todos no mesmo barco.

Em mares nunca antes navegados, como diz o capitão MacWhirr do Tufãode Joseph Conrad, “há coisas sobre as quais os livros nada dizem”. Vamos precisar de muitos capitães nos nossos hospitais, instituições públicas e privadas, e empresas para vencermos a covid-19. Capitães tenazes, com um invencível sangue-frio, com uma silenciosa modéstia dotada de qualquer coisa a que poderá chamar-se grandeza épica, com uma confiança quase mística na resistência do navio contra os assaltos do oceano*.  

* Descrição do capitão MacWhirr por Aníbal Fernandes na Apresentação da edição da Sistema Solar.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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