A
A
As-politicas-de-reforma-nao-deveriam-depender-apenas-da-idade

As políticas de reforma não deveriam depender apenas da idade

Artigo de Judite Gonçalves, professora e investigadora de economia da saúde na NOVA SBE.
4 min
O envelhecimento tem muitas vezes uma conotação negativa. Do ponto de vista individual, é associado com a proximidade à morte e, do ponto de vista agregado, com a insustentabilidade dos sistemas de saúde e de pensões ou com o abrandamento do crescimento económico. Mas há motivos para otimismo.

Uma forma de promover uma visão otimista sobre este assunto é falar de aumento da longevidade em vez de envelhecimento. Por exemplo, a expressão economia da longevidade tem vindo a ganhar popularidade, referindo-se sobretudo às oportunidades de negócio para responder à enorme e crescente procura por parte da população mais velha. Eis um exemplo de como o aumento da longevidade pode impulsionar o crescimento económico.

A economia também consiste cada vez mais em trabalhos mais qualificados e menos manuais. A saúde física que permite a realização de trabalhos manuais está mais ou menos diretamente ligada à idade, mas a saúde mental geralmente deteriora-se mais tarde e para menos pessoas. Isto sugere que as pessoas poderão continuar ligadas ao processo produtivo por mais tempo. A isso alia-se o facto de a experiência que se adquire com a idade ser cada vez mais valiosa.

Globalmente, a população de 60 e mais anos cresceu de 382 milhões em 1980 para 962 milhões em 2017, e prevê-se que atinja os 2,1 mil milhões em 2050, altura em que representará 35% da população da Europa. Portugal já é o quarto país mais envelhecido do mundo, atrás apenas do Japão, Itália e Alemanha.

Normalmente denominamos o grupo de indivíduos de 65 e mais anos como “população idosa”. Se o leitor estiver próximo ou acima dessa idade, ou relembrar o seu pai ou a sua avó com mais de 65 anos, talvez não pense desta forma. Porém, colectivamente, é-nos fácil adotar esse patamar. Por exemplo, o índice de dependência de idosos é o rácio entre o número de pessoas de 65 e mais anos de idade e o número de pessoas em “idade ativa”, de 15 a 64 anos de idade.

Os indicadores querem-se simples e compreensíveis, mas também é preciso admitir quando deixam de ser informativos. O pressuposto implícito no índice de dependência de idosos é que a idade (ou o número de pessoas acima de uma certa idade) é um bom indicador da capacidade produtiva dos indivíduos (ou dos países). Esse pressuposto está errado, porque existem grandes desigualdades no estado de envelhecimento entre pessoas com a mesma idade cronológica. Com certeza o leitor conhece pessoas que aparentam ser bem mais novas ou mais velhas do que outras com a mesma idade. Daqui resulta que qualquer política ou intervenção baseada na idade cronológica  (p. ex., a idade da reforma), mais do que nunca, não faz sentido hoje em dia.

(Também podemos debater a adequação de considerar crianças com 15 anos indivíduos em idade ativa... Aqui, o ponto é que as diferenças na capacidade produtiva entre indivíduos de 65 anos são muito superiores às diferenças entre indivíduos de 25 anos, por exemplo. Da mesma forma, as diferenças na capacidade produtiva entre indivíduos de 65 anos são hoje muito superiores às que se podiam observar há algumas décadas.)

O aumento da idade da reforma, referido por vezes como forma de manter a sustentabilidade da segurança social, é problemático por causa das disparidades na capacidade produtiva entre indivíduos. A idade da reforma e outras políticas deveriam depender da “idade de cada um” e não da idade cronológica. Muitos indivíduos gostariam de continuar a trabalhar após os 65 anos de idade, mas por vezes os incentivos fiscais vão na direção oposta. Portugal é dos países que menos premeiam a permanência no ativo dos trabalhadores mais velhos, como referia o Público na semana passada.

Naturalmente, nem todos os indivíduos gostariam, deveriam ou poderiam continuar no ativo até muito mais tarde. Os que gostariam são tipicamente os mais qualificados. As desigualdades no estado de envelhecimento estão ligadas à educação, ao tipo de trabalho, ao rendimento. Os mais qualificados são também, geralmente, os que mantêm a capacidade produtiva (um bom estado de envelhecimento) até mais tarde. (E também foram os que começaram a vida ativa mais tarde, tendo estudado mais anos.) Assim, devemos desenhar respostas ao aumento da longevidade que têm em conta a diversidade no processo de envelhecimento de cada um e os fatores que determinam essa diversidade.

Em suma, o aumento da longevidade coloca-nos de facto vários e importantes desafios. Mas, uma visão negativa desse fenómeno não é produtiva. Há vários motivos para otimismo e as soluções tipicamente nascem de uma atitude mais positiva e proactiva.

Judite Gonçalves é professora de econometria e investigadora na área da economia da saúde na NOVA SBE.

Fotografia de João Jesus no Pexels.

    O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

    Portuguese, Portugal