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Entrevista GPS #5: «Portugal tem um atraso na interacção entre centros de investigação e empresas»

Entrevista GPS #5: «Portugal tem um atraso na interacção entre centros de investigação e empresas»

Entrevista a Pedro Carvalho, químico ambiental radicado na Dinamarca que analisa as substâncias poluentes libertadas para o meio ambiente.
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Nascido em Vila do Conde, Pedro Carvalho está hoje em Aarhus, na Dinamarca, onde estuda as substâncias poluentes e os efeitos que elas podem ter na qualidade da água e no ambiente. Esta entrevista foi realizada no âmbito do Global Portuguese Scientists (GPS).

 

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Como investigador de pós-doutoramento tenho várias responsabilidades em mãos. Primariamente estou activamente envolvido em vários projectos de investigação do meu departamento, ou seja, directamente envolvido no trabalho de campo e laboratório realizando amostragens, montando sistemas experimentais e correndo equipamento analítico. Dentro dos vários projectos em curso temos sempre a participação de alunos nas diferentes fases de formação, pelo que desempenho também funções de supervisão. Adicionalmente, colaboro também na preparação e leccionação de cursos de doutoramento e num mestrado internacional no centro Sino-Dinamarquês. E sim, lêem-se muitos artigos científicos, preparam-se uns quantos, revêem-se outros e há uma constante procura de novos projectos e colaborações, quer académicas quer empresariais.

Mas o que verdadeiramente faço? Costumo dizer que sou químico ambiental. Utilizo a minha experiência de química analítica para desenvolver métodos para analisar poluentes no ambiente e, adicionalmente, estudo que processos os poluentes sofrem quando libertados no meio ambiente. Trabalho com água/água residual, poluentes e tratamentos biológicos. De alguma forma as pessoas ficam sempre muito admiradas quando eu digo que sou um químico a trabalhar num departamento de biologia aquática, mas do ponto de vista de investigação faz todo o sentido. Colaboro numa equipa multidisciplinar cujo objectivo primordial é purificar água contaminada recorrendo a eco-tecnologias  – sistemas verdes, sustentáveis, de baixo custo e manutenção, mas com elevada eficiência. Trabalho com engenheiros (civis e ambientais), biólogos e microbiólogos na optimização de processos biológicos de tratamento de água, onde a hidráulica, química e microbiologia estão interligadas.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

A água é um bem essencial para todos nós, para a humanidade. Dependendo da nossa localização geográfica, o acesso a água potável pode ser mais ou menos fácil, mais ou menos dispendioso, mas será sempre algo de que não podemos prescindir. Contudo, a água, especialmente água potável, não é um recurso inesgotável. O Homem liberta continuamente poluentes que afectam a qualidade da água, com potenciais impactos para os organismos que nela habitam, incluindo o próprio Homem que dela se alimenta ou que nela se banha.

Os desafios no sector da água vão-se alterando ao longo dos tempos. Hoje em dia, os maiores desafios passam por: i) olharmos para a água residual não como um desperdício que tem de ser tratado, mas como uma potencial fonte de energia e nutrientes que podem ser reaproveitados. Claro que esta alteração é mais abrangente do que o desenvolvimento de tecnologia e implica alterar formas de gestão e/ou educação. ii) há uma forte pressão para reutilizar água onde ela é mais escassa, mas isso implica que os sistemas de tratamento garantam o fornecimento de água livre de contaminação. iii) à medida que o Homem desenvolve novos produtos, cria novas formas de poluição. Há uma necessidade continua de avaliar os sistemas de tratamento existentes e continuar a desenvolver novas soluções. O desafio de preservar um bem tão essencial para a humanidade é sem dúvida um fator determinante.

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

O trabalho de investigação sempre me aliciou, mesmo antes de entrar na universidade. Sempre achei piada à resolução de mistérios ou a entender processos. Depois de toda a minha educação e a introdução à vida de investigador ter sido na mesma universidade, no mesmo centro e grupo de investigação, no final do doutoramento era claro que, querendo continuar com uma carreira científica, o próximo passo passava por uma experiência internacional. E assim, mesmo tendo conseguido bolsa de pós-doutoramento em Portugal, optei pela corrente posição de postdoc na Dinamarca.

Quando tomei a decisão de emigrar, foi claro que teria de abrir os meus horizontes e sempre tentei ter uma mente aberta para novas situações e realidades. Assim, “inesperado” talvez seja uma palavra demasiado forte, mas certamente algo que me deixou positivamente impressionado foi encontrar uma sociedade desburocratizada, com um nível cívico e cultural elevado. A lógica de responsabilidade individual e a igualdade social são pontos que marcaram e marcam o meu dia-a-dia. A nível de trabalho, o equilíbrio entre vida profissional e pessoal (“work-life balance”) mesmo no meio académico foi também uma impressão positiva.

Portugal tem um atraso enorme no que toca à interação entre centros de investigação e tecido empresarial, resultando numa conjuntura de investimento cientifico bastante desequilibrado quando comparado com os pares europeus.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Portugal teve um crescimento muito forte a nível cientifico nos últimos 30 anos. Contudo, nos últimos 10 anos, este crescimento foi abalado pela crise internacional e todas as limitações orçamentais que daí se têm feito sentir. Infelizmente, são visíveis as dificuldades económicas em que os grupos e centros de investigação se encontram. A precariedade é elevada, não só de bolseiros e falsos bolseiros, mas também de investigadores permanentes com medo dos cortes nos orçamentos das suas instituições, ou ainda com as recentes notícias acerca das universidades portuguesas, que têm vindo a contratar pessoal para lecionar sem remuneração. A instabilidade nas ferramentas de financiamento, ou na disponibilização de verbas de projectos aprovados, cria enormes entraves a um são desenvolvimento de investigação. Antes de pensar em desenvolvimento cientifico, um investigador faz mil e um ofícios para contornar os problemas do dia-a-dia. Nesse sentido é de louvar a capacidade que inúmeros investigadores têm tido nos últimos anos em manter ou até aumentar os índices científicos de produtividade.

E infelizmente, toda a investigação e desenvolvimento depende quase exclusivamente do Estado. A quantidade de investimento privado é residual. Portugal tem um atraso enorme no que toca à interacção entre centros de investigação e tecido empresarial, resultando numa conjuntura de investimento cientifico bastante desequilibrado quando comparado com os pares europeus.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

A possibilidade de interligar a comunidade cientifica portuguesa espalhada pelo mundo é sem dúvida excepcional. Tenho a certeza que irá facilitar o estabelecimento de novos contactos, potenciar colaborações e contribuir para a divulgação da ciência feita em Portugal e/ou por portugueses. Espero que se torne num relevante centro (ou ferramenta) para debate do panorama científico português.

Consulte o perfil de Pedro Carvalho no GPS – Global Portuguese Scientists.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Autor
Portuguese, Portugal