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A bandeira republicana mantém o escudo real, um dos símbolos mais antigos da identidade nacional

«Revemo-nos tanto nos símbolos nacionais que até temos uma seleção das Quinas»

Os símbolos nacionais em Portugal têm servido para reforçar a ideia de comunidade política, independentemente de todas as revoluções e mudanças de regime, defende nesta entrevista o historiador Miguel Metelo de Seixas.
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1. Que símbolos são mais representativos da identidade nacional?

Os símbolos mais representativos da identidade nacional portuguesa são, sem dúvida alguma, as armas nacionais. Todos os portugueses as conhecem, até porque elas estão integradas na bandeira nacional. Não apenas na bandeira republicana, usada a partir de 1910, mas também nas anteriores bandeiras monárquicas, com destaque para a bandeira azul e branca da monarquia constitucional, instituída em 1830.

Mas, para além da dimensão oficial, o escudo das armas nacionais, tanto na sua forma completa (com as quinas centrais, a bordadura de castelos, a esfera armilar...) como reduzido à mais simples expressão dos cinco escudetes em cruz, convoca também um forte sentimento de identificação. Os portugueses, de forma geral, revêem-se nas quinas, até porque elas são um símbolo suficientemente abstrato para não causar tensões. Ao ponto de elas servirem de designação para a seleção nacional de futebol - a seleção das Quinas - e estarem até integradas em numerosas marcas comerciais, desde a cerveja até aos fósforos.

 

2. Mesmo depois da implantação da República manteve-se o escudo real na bandeira… Portugal tem dos símbolos nacionais mais antigos do mundo?

Na verdade, temos de ser cuidadosos quando falamos da história dos símbolos nacionais. O conceito de nação, tal como o entendemos hoje, não existia em tempos mais antigos. As armas que hoje dizemos nacionais eram, inicialmente, as armas do rei e da sua dinastia; à medida que se foi afirmando a continuidade do reino, as mesmas armas passaram a simbolizar tal permanência, ligando-se assim à ideia de Coroa, mais tarde à de Estado e, ainda mais tarde, à de nação.

Posto isto, estas armas reais/estatais/nacionais são efetivamente um dos símbolos mais antigos do mundo, se tivermos em conta os seguintes fatores: que elas foram adotadas em simultâneo com a criação do reino e com o aparecimento da heráldica no século XII; que se mantiveram sempre em uso desde então, ininterruptamente; e que o escudo atualmente em uso resulta das reformas heráldicas aplicadas por D. João II em 1485. Desde então, ao contrário do que sucedeu nas restantes monarquias europeias, as armas reais portuguesas mantiveram-se incólumes, não tendo sido misturadas ou justapostas com quaisquer outras. Esta opção facilitou o entendimento nacional que lhes foi conferido e que elas mantêm hoje em dia.

Desde a Idade Média, a disseminação dos sinais régios por todo o território atuou como força congregadora da comunidade portuguesa, tanto mais forte quanto se dirigia a uma população maioritariamente analfabeta.
Autor do livro «Quinas e Castelos: Sinais de Portugal»

3. Estes símbolos têm sido determinantes para manter viva uma identidade nacional. Porquê?

Subestima-se amiúde o papel dos sinais visuais na construção das identidades políticas. Em geral, estes sinais são vistos como meras representações, espelhos do poder instituído. Mas quando olhamos para a história, percebemos que estes sinais foram efetivamente usados como instrumentos de governação, no sentido de criar a ideia de uma comunidade política sujeita a uma mesma autoridade e dotada de um passado e de um futuro compartilhados.

Desde a Idade Média, a disseminação dos sinais régios por todo o território atuou como força congregadora, tanto mais forte quanto se dirigia a uma população maioritariamente analfabeta. Era mais fácil e mais eficaz identificar as armas reais do que qualquer sinal escrito. A partir do século XIX, quando surge a ideia de nação tal como nós a concebemos ainda hoje, as armas reais entendidas como nacionais serviram para evidenciar a continuidade histórica da comunidade política, independentemente de todas as revoluções e mudanças de regime que tiveram lugar. Incluindo a revolução republicana de 1910, o golpe de Estado de 1926 ou a revolução de 25 de Abril de 1974.

 

 

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