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Imagem de uma mulher a trabalhar ao computador com a filha ao colo

«Entre o trabalho e a família, as mulheres estão numa 'armadilha'»

«No geral, na relação entre o mercado de trabalho e a vida privada as mulheres encontram-se numa situação que se assemelha a um verdadeiro ciclo vicioso ou a uma armadilha. E porquê?  Como mesmo as que trabalham a tempo inteiro são responsabilizadas pela maioria das tarefas domésticas e dos cuidados à família, e como os seus parceiros tenderão a ganhar mais, são elas que tendem a sacrificar a sua vida profissional perante qualquer eventualidade», alerta a socióloga Anália Torres.
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As mulheres hoje estudam mais do que os homens e dominam nas profissões mais prestigiantes. Mas ganham menos, logo no primeiro emprego, e têm um menor acesso a cargos de liderança. Porquê?

Podemos identificar três factores fundamentais. Em primeiro lugar, no mercado de trabalho as mulheres são encaradas de forma genérica como trabalhadoras menos “disponíveis” do que os homens. Mesmo que não tenham filhos há sempre a ideia de que podem vir a tê-los, ou a ter outras responsabilidades familiares, e que a sua dedicação ao trabalho pode ser afectada. Esta discriminação fica demonstrada quando no recrutamento profissional e perante CV iguais os estudos mostram que homens e mulheres escolhem o que tem o nome de um homem, revelando o chamado viés inconsciente.

Em segundo lugar, as mulheres tendem a ocupar posições em sectores dos serviços e da indústria tradicionalmente mais mal remunerados e com maior precariedade. Quando têm profissões com qualificações mais elevadas, é mais frequente que não desempenhem cargos de chefia ou mais bem remunerados, sendo preteridas relativamente aos homens pela tipo de discriminação que acima se identificou. Note-se ainda que as mulheres mais ou menos qualificadas constituem a grande maioria dos trabalhadores do sector público, sector onde de forma global quer o leque salarial, quer o valor das remunerações tendem a ser mais baixas do que no sector privado.

Em terceiro lugar, e apesar da diversidade das situações, podemos dizer que em geral na relação entre o mercado de trabalho e a vida privada as mulheres se encontram numa situação que se assemelha a um verdadeiro ciclo vicioso ou a uma armadilha. E porquê?  Como mesmo as que trabalham a tempo inteiro são responsabilizadas pela maioria das tarefas domésticas e dos cuidados à família – numa proporção que vários estudos mostram de 70% para elas e 30% para eles – e como os seus parceiros tenderão a ganhar mais, são elas que tendem a sacrificar a sua vida profissional perante qualquer eventualidade. Portanto acabam perdendo oportunidades de progressão e melhoria de remuneração ou de condições de trabalho.

As quotas em cargos de administração nas empresas e na administração pública são uma solução para contrariar esta realidade?

As quotas são uma solução para contrariar as tais tendências de viés inconsciente ou de discriminação consciente. É preciso lembrar que em todas as situações em que o mérito é julgado de forma objetiva – por exemplo, por classificação em provas de avaliação no acesso aos cursos superiores – as mulheres tendem a ter a primazia. É isso que se passa no acesso aos cursos que exigem altas classificações como a medicina, ou no acesso à magistratura – nas provas para aceder ao Centro de Estudos Judiciários, por exemplo. Também se sabe que são as mulheres que estão em maioria no acesso aos cursos superiores onde existem numerus clausulus– bem como na sua finalização. Mas quando se trata de escolher para cargos – na política, nos mais altos cargos de chefia  nas grande empresas, ou nas grandes organizações – as mulheres tendem a ser preteridas. O que significa que há muito tempo que há um sistema invisível de “quotas” na escolha dos homens para cargos de chefia.

Que outras medidas são prioritárias para alterar este cenário?

Entre outras e para não me alongar, considero que depois da licença de parentalidade de seis semanas – obrigatória por questões físicas para  as mães – as licenças parentais devem ser obrigatoriamente partilhadas a 50% entre o pai – ou um dos progenitores – e a mãe ou outro/a dos progenitores. Os estudos têm mostrado que é extremamente benéfico para os homens e para as crianças os cuidados e o contacto direto com os filhos e filhas durante esses primeiros meses da vida. Criam-se laços mais fortes, percebe-se muito melhor as dificuldades mas também as alegrias  desses processos de crescimento.

Continuamos a dar aos nossos filhos uma educação muito diferente aos rapazes e raparigas?

Haverá de certo quem já dê uma educação mais igualitária a meninos e meninas, mas esta é ainda uma tendência minoritária. O que importa é alargá-la. Na verdade, mulheres e homens estamos todos mergulhados num caldo de cultura e de apelos – os brinquedos e os consumos para as meninas e para os meninos – que alimenta e reproduz estereótipos.  Todos e todas – pais , mães, avôs e avós, educadores de infância, professoras e professores dos diferentes graus de ensino – temos de contribuir para uma educação igualitária. E o que é isso ? É uma educação que ensine meninos e meninas a cuidarem de si  e a serem autónomos – tanto a fazer tarefas domésticas como a resolverem problemas técnicos e de manutenção da casa. Tanto a promover os cuidados aos mais vulneráveis – crianças, idosos e dependentes – como na defesa da dignidade, da cooperação e da não discriminação seja pela etnia, pela condição perante a deficiência ou pela orientação sexual. Todos, mulheres e homens, temos um dimensão projetiva e assertiva e outra de cuidado e proteção. São estas duas dimensões que importa estimular em todas as crianças, independentemente do seu género.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

 

Reveja o debate Fronteiras XXI “Como são e o que querem as mulheres?”

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