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Da falta de cereais à Expansão ultramarina, as plantas estão no centro da história de Portugal

Da falta de cereais à Expansão ultramarina, as plantas estão no centro da história de Portugal

Excerto do livro «As Plantas e os Portugueses», de Luís Mendonça de Carvalho.
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Há cerca de 25 mil anos, no local que hoje conhecemos como Abrigo do Lagar Velho, perto de Leiria, um grupo de humanos enterrou o corpo de uma criança, embrulhado numa mortalha tingida de ocre vermelho. Deixaram‑lhe oferendas – conchas, dentes de veado, um coelho – que,  provavelmente, se destinavam a proteger a criança na nova etapa do seu ciclo vital. O esqueleto da «Criança do Lapedo» foi encontrado em 1998 e representa, no nosso país, a mais importante descoberta arqueológica do Paleolítico Superior. Apresenta características osteológicas do homem de Cro‑Magnon (Homo sapiens) e do homem de Neandertal (Homo neanderthalensis) que põem em causa os conhecimentos sobre o processo de extinção deste último, o qual poderá ter sido assimilado por cruzamento com os humanos mais evoluídos. Note‑se que quem enterrou a «Criança do Lapedo» teve o cuidado de a colocar sobre folhas carbonizadas de pinheiro‑silvestre. Embora trágico, este é um dos primeiros exemplos do uso cultural das plantas, nos alvores da presença humana em Portugal.

Os homens e as mulheres que iniciaram a colonização daquele que é actualmente o território português terão encontrado uma importante reserva de hidratos de carbono nas bolotas dos carvalhos (glandes), em especial nas bolotas da azinheira, espécie a partir da qual se obtêm sementes ligeiramente adocicadas e sem a adstringência encontrada em outras sementes de carvalhos. A agricultura em Portugal poderá ter‑se iniciado há cerca de 7500 anos, com a chegada por mar de povos oriundos do Mediterrâneo oriental que introduziram o cultivo de leguminosas e de cereais, seguindo um sistema ascético de agricultura de subsistência. A conquista romana do território nacional trouxe uma agricultura mais sofisticada, assim como a civilização muçulmana que antecedeu o estabelecimento do reino português, com o Tratado de Zamora, em 1143. Nos séculos seguintes, a agricultura portuguesa nunca teve excedentes, e o abastecimento de cereais foi sempre uma preocupação para a coroa portuguesa, devido aos parcos solos nacionais com capacidade agrícola relevante.

Com as fronteiras continentais definidas entre os emissários do rei D. Dinis de Portugal (1261‑1325) e do rei Fernando IV de Castela (1285‑1312) – como era menor de idade, quem governava era a rainha Maria de Molina (c. 1265‑1321) – na localidade de Alcanizes, perto de Zamora (Tratado de Alcanizes, em 1297), a procura de novos territórios era, para os Portugueses, muito limitada. Embora na Península Ibérica ainda houvesse um reino muçulmano para reconquistar – Granada capitulou apenas em 1492, no final das campanhas militares dos Reis Católicos –, este era considerado uma zona de influência de Castela e Aragão, e, portanto, a eventual intromissão portuguesa iria, certamente, gerar potenciais tensões políticas e militares com esses reinos cristãos, em especial com Castela, facto que não era favorável à estabilidade de Portugal. A contínua necessidade de cereais, entre outros motivos económicos, políticos e religiosos, impeliu os Portugueses, no século xv, até ao Norte de África, e à conquista de praças como Ceuta (1415), Alcácer‑Ceguer (1458), Arzila (1471) e Tânger (1471), que eram importantes entrepostos comerciais de produtos agrícolas, entre os quais o trigo, mas também de mercadorias exóticas que provinham do Oriente e da África subsariana.

Nos séculos XVI e XVII, a Europa assistiu, maravilhada e atónita, à introdução de plantas provenientes dos Mundos Novos que os Portugueses e os Espanhóis encontraram na Ásia e nas Américas. Durante essa idade de ouro da Botânica, foram introduzidas, em Portugal, plantas  americanas, como, por exemplo, o milho, a batata, o tomate, o pimento e o tabaco, que, nos séculos seguintes, seriam integradas nas práticas  agrícolas portuguesas, onde tiveram elevada importância económica e cultural, nomeadamente o milho, no Minho, e as batatas, em Trás‑os‑Montes. Da Ásia vieram as plantas mais emblemáticas da história da Expansão Portuguesa: as especiarias. Contudo, nenhuma espécie produtora de especiarias foi alguma vez cultivada no nosso país, devido à ausência de condições edafoclimáticas (clima e solo) adequadas. Os Muçulmanos haviam já introduzido plantas asiáticas no Sul da Península Ibérica, como a laranjeira‑amarga e a alfarrobeira, árvores que tiveram  especial importância na história económica do Algarve, região portuguesa que durante mais tempo se manteve sob a administração de povos islâmicos. Também da Ásia os Portugueses trouxeram a laranjeira‑doce, que, desde o nosso país, seguiu para o resto da Europa, daí que, em algumas línguas, o nome do fruto tenha ficado etimologicamente ligado ao nome de Portugal: em grego, portokáli; em albanês, portokalli; e em  romeno, portocale.

Até ao século XX, a sociedade portuguesa era maioritariamente rural e, como tal, todas as actividades diárias se desenvolviam em torno das plantas, sendo essencial um amplo conhecimento sobre as suas propriedades e potenciais usos. Este saber era necessário para manter o equilíbrio social ligado ao fluxo contínuo de produtos derivados de plantas, não só para a alimentação humana e animal, mas também para satisfazer outros fins relacionados com a cultura material.

O livro As Plantas e os Portugueses: Património, Tradição e Cultura, de Luís Mendonça de Carvalho, está disponível na loja online da Fundação.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.