A
A
controlar-os-gastos-na-saude

Controlar os gastos na saúde? O melhor é prevenir

«A estratégia do multimilionário Calouste Gulbenkian, que só pagava ao seu médico quando estava saudável, parece fazer cada vez mais sentido. Um pouco por todo o mundo, são muitos os especialistas a defender que é preciso preocupar-nos mais com a saúde do que com a doença.»
7 min

«Quem nos trata da saúde?», reveja este debate Fronteiras XXI

Só combatendo o sedentarismo, diz a Organização Mundial da Saúde, países como Portugal poderiam evitar gastos superiores a 900 milhões de euros por ano. Apostar em comportamentos saudáveis e na prevenção de doenças será fundamental para controlar os gastos com a saúde, que nos próximos anos vão crescer “para níveis insustentáveis”.

Quando o multimilionário Calouste Gulbenkian se fixou em Portugal na Segunda Grande Guerra, fez com o famoso médico Fernando da Fonseca um acordo de trabalho “sui generis”. O magnata pagava-lhe sempre que estava de boa saúde e deixava de lhe pagar quando adoecia. Desta forma, o professor catedrático de Medicina tinha um incentivo extra para garantir que Calouste Sarkis Gulbenkian se mantinha saudável.

A estratégia do empresário e coleccionador arménio parece hoje fazer cada vez mais sentido. Em todo o mundo, há um crescente número de especialistas a defender que devemos preocupar-nos mais com a saúde do que com a doença.

Alegam que esta é a melhor forma de alterar comportamentos e garantir que a população vive mais tempo sem complicações, mas também a melhor arma para diagnosticar e tratar mais cedo os problemas, aumentando as hipóteses de sucesso nos tratamentos.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) há ainda outra vantagem nesta abordagem: a prevenção de doenças como a hipertensão, a diabetes, a obesidade ou os problemas mentais será fundamental para reduzir os gastos com o financiamento da saúde, que nos próximos anos irão disparar para “níveis insustentáveis”.

E apesar de a prevenção exigir sempre um investimento inicial, muitos programas já aplicados com sucesso revelam que há um retorno do investimento e noutros casos, uma real poupança no curto prazo nos gastos por doente, quer para a saúde quer para a economia, defende o organismo.

 

Sedentarismo custa mais de 900 milhões por ano

O caso do exercício físico é paradoxal. “Só com a prática de exercício físico regular conseguiríamos prevenir muitos problemas que afectam a população portuguesa”, defende o especialista em saúde pública e delegado de saúde de Lisboa, Mário Durval.

Não restam hoje quaisquer dúvidas de que andar, caminhar ou fazer exercício são formas eficazes de combater o aparecimento de problemas cardiovasculares ­­, diabetes, alguns tipos de cancro, mas também de contribuir para o bem-estar mental, defende o clínico.

Apesar disso, os dados do último Inquérito Nacional de Saúde do INSA (2015), revelam que os portugueses são sedentários:  45% dos inquiridos entre os 25 e os 74 anos não praticam actividade física regular e só um terço destes adultos afirmou ter uma vez por semana uma actividade física que implique algum esforço.

Aos benefícios para a Saúde, a OMS junta as vantagens para a despesa com cuidados. Num recente relatório sobre a importância da prática de exercício nos 28 países da União Europeia, o organismo calcula em 910 milhões de euros os custos anuais do sedentarismo para um país com as características de Portugal, ou seja, com uma população de 10 milhões de habitantes, onde metade não faz qualquer exercício físico. Neste valor, estão calculados a prestação de cuidados e medicamentos, mas também os custos indirectos como o absentismo laboral ou as mortes prematuras por doenças associadas.

O combate ao fumo é outra das áreas onde a promoção de comportamentos saudáveis se revela uma aposta segura, já que o tabaco é a principal causa de morte evitável em todo o mundo, defende a OMS.

Fumar um cigarro era um hábito diário de 1,7 milhões de portugueses em 2015 e o responsável por mais de 11 mil mortes por ano no país, ou seja por 17% do total de óbitos nesse ano, de acordo com dados da Direcção-Geral da Saúde.

O impacto do fumo nos custos dos cuidados de saúde nacionais está calculado há muito. Num estudo sobre o peso das doenças atribuídas ao tabagismo, apresentado em 2007, seis especialistas analisaram os efeitos na mortalidade, qualidade de vida e nos gastos com internamentos e tratamentos em exames, medicamentos ou consultas de ambulatório dos problemas decorrentes dos cigarros.

Calculam que o tabaco custou 490 milhões de euros ao sistema de saúde em 2005, um valor gasto nos cuidados com doentes com neoplasias, problemas cardiovasculares e respiratórios.

Nessa análise, os especialistas do Centro de Estudos Aplicados, FCEE, Universidade Católica Portuguesa e do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina de Lisboa foram ainda mais longe. Estimam que se todos os portugueses deixassem de fumar teriam morrido nesse ano menos 6.200 pessoas, e os custos teriam sido reduzidos, no mínimo, em 144 milhões de euros.

 

Prevenção representa 1% dos gastos públicos em saúde

Apesar desta evidência, em Portugal o sistema de cuidados “está focado na doença e muito pouco na prevenção”, defende Rui Vaz, director do Serviço de Neurocirurgia do Hospital de São João, no Porto.

No Plano Nacional de Saúde há programas específicos de prevenção e combate a um conjunto de doenças – desde a diabetes, às doenças mentais, passando pela promoção de comportamentos saudáveis como o exercício físico ou a redução do consumo de tabaco. Contudo, o financiamento directo do Ministério da Saúde em prevenção é baixíssimo.

É isso que demonstram os dados do primeiro relatório do Conselho Nacional de Saúde (CNS), um órgão consultivo do Governo que apresentou, em Outubro passado, uma análise dos fluxos financeiros no sector.

O documento revela que quase 80% dos 9,2 mil milhões de euros de gastos públicos na saúde em 2015 serviram para pagar cuidados curativos, de reabilitação ou continuados. Outros 14,4% foram gastos com dispositivos médicos e terapêuticos.

“A grande surpresa deste trabalho foi perceber que gastamos apenas 1,1% do financiamento da Saúde em programas denominados de prevenção. Foi este o valor [105,5 milhões de euros] que conseguimos identificar”, explica Jorge Simões, presidente do organismo de aconselhamento ao Executivo, que durante este ano quer estudar a fundo as políticas públicas de saúde a nível central, regional e local e perceber onde há carências significativas.

Para Jorge Simões, “apesar de termos a mesma longevidade de outros países desenvolvidos apresentamos, depois dos 65 anos, um tempo de vida com saúde muito inferior à de outros europeus”, alerta o especialista.

Parte da solução para melhorar a qualidade de vida dos portugueses está numa prevenção e promoção de saúde mais eficazes, mas esta “é uma aposta que exige compromissos dos governos a longo prazo e não apenas para uma legislatura”, adianta.

 

Programas alargados com a comunidade

“Numa sociedade envelhecida e com muitas doenças incapacitantes como a portuguesa, a estratégia de promoção da saúde e de prevenção primária tem de ser global: não só multissectorial, mas alargada a toda a sociedade”, defende Rui Portugal, professor do Instituto Medicina Preventiva e Saude Pública da Faculdade de Medicina de Lisboa e ex-coordenador do Plano Nacional de Saúde.

“O combate de problemas como o tabagismo, a promoção do exercício, da alimentação saudável e do convívio entre as pessoas deve ter prioridade”, alega o médico de saúde pública, defendendo que para isso é fundamental um compromisso entre diferentes entidades, “da saúde à educação passando pelos municípios e pelo sector social”.

Esse compromisso alargado, é defendido também por Mário Durval, que e deve assentar numa mudança de mentalidade. “Em Portugal ser doente é um estatuto”, diz o clínico. “Se queremos melhorar a saúde e reduzir os gastos temos de ter uma nova abordagem. Temos de começar todos a olhar para a saúde e não para a doença”, explica.

Esta nova abordagem, afirma o delegado , já começa a ser vísivel no programa de saúde local no Arco Ribeirinho, cuja estratégia Durval coordenou até ao ano passado. O plano, que tem como objectivo aumentar comportamentos saudáveis entre os mais de 215 mil habitantes dos municípios de Alcochete, Barreiro, Moita e Montijo, quer “promover os afetos, cidadania, alimentação, movimento e ambiente”. Como? através de parcerias com agrupamentos de escolas, centros de saúde, mas também restaurantes e associações locais. “Se há um comerciante de uma loja de equipamento desportivo ele pode incentivar e organizar caminhadas”, explica. Todos colaboram e estão envolvidos em acções para promover a saúde”.

 

«Quem nos trata da saúde?», reveja este debate Fronteiras XXI

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

 

Portuguese, Portugal