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Plano Ferroviário Nacional, finalmente!

Plano Ferroviário Nacional, finalmente!

Opinião de Francisco Furtado, especialista em sistemas ferroviários e autor do livro «Ferrovia em Portugal: Passado, Presente e Futuro».
4 min

(…) deve ser instituído um processo de planeamento mais estruturado, que abarque as múltiplas valências e elementos do sistema ferroviário, numa visão de longo prazo, devendo estender-se por um horizonte de várias legislaturas, estando a sua aprovação no âmbito da Assembleia da República (…). Estes planos devem ser formulados em estreita articulação com todos os agentes do setor, consulta às organizações que fazem parte do ecossistema ferroviário e ampla discussão pública. O plano não deverá substituir as competências do gestor de infraestruturas ou dos operadores, mas deverá fornecer um enquadramento estável para a sua atividade e articular as necessidades dos vários agentes envolvidos e do sistema como um todo.
In A Ferrovia em Portugal: Passado, presente e futuro

No dia 19 de Abril foi lançado o Plano Ferroviário Nacional. É uma data a celebrar por todos e todas que pugnam pela revitalização da ferrovia em Portugal, de uma forma sustentável e que contribua para o desenvolvimento equilibrado do país. Sobretudo num momento em que no Programa Nacional de Investimentos 2030 cerca de 10 mil milhões de euros estão previstos para projectos ligados à ferrovia.

No livro “A Ferrovia em Portugal” este foi um dos elementos que sublinhei como essencial para traçar o futuro do caminho de ferro. Citando: «A definição de investimentos e orientações estratégicas para o setor exige uma visão abrangente do sistema ferroviário que integre infraestrutura, material circulante e operações. O caminho de ferro requer ainda estabilidade na prossecução de objetivos ao longo de horizontes temporais alargados que necessariamente atravessam várias legislaturas. Tudo isto realça a importância do planeamento a médio e longo prazo, que deve ter em linha de conta a realidade socioeconómica e geográfica do país, sem esquecer a complementaridade com outros modos de transporte».

Para ser um instrumento eficaz, este plano necessita de obter o mais amplo consenso político e social possível, entre os vários agentes do sector, diferentes forças políticas e diversos níveis de poder. Só assim poderá fornecer o tal enquadramento estável e previsível para a acção dos operadores e gestores da infraestrutura ferroviária, mas também das indústrias, empresas e populações servidas pela ferrovia.

Portanto, parece-me bem o processo de elaboração deste plano. Lançado esta semana, contará com duas rondas de auscultação pública até ao final de 2021, culminando no início de 2022 com a sua aprovação e tradução em diploma legislativo. Passará, portanto, a ferrovia a contar com um conjunto de directrizes legais que conduzem o seu desenvolvimento, coisa de resto que já acontece com a rodovia há largos anos, contando com um Plano Rodoviário Nacional aprovado em decreto-lei.

Outro aspeto relevante a destacar é que investimentos na infraestrutura devem ser guiados em primeiro lugar pelas necessidades operacionais dos serviços a oferecer, como a sua eficiência, custos ou tempo de viagem. Ora, merece nota positiva o facto de os tempos de viagem e acessibilidades estarem na raiz da definição do tipo de investimentos a incluir no plano, incluindo na sua vertente intermodal com viagens combinadas entre comboio e outros transportes públicos.

A definição de um conjunto de princípios de avaliação é uma terceira componente que merece menção. A ferrovia é um meio de transporte pesado de alta capacidade que requer um mínimo de escala e procura, só podendo ser atrativa com níveis de serviço, tempos de viagem e preços competitivos com outros meios de transporte. Ora, nem sempre é possível encontrar um equilíbrio entre alternativas que sejam simultaneamente capazes de atrair volumes de procura significativos e terem custos de construção e operação comportáveis. Logo, definir regras para avaliar diferentes investimentos é essencial.

Termino assinalando um aspeto, pelo menos por enquanto, mais omisso na definição do plano. A falta de métricas, princípios e até exemplos que guiem a discussão e elaboração do plano no que diz respeito ao transporte de mercadorias. A apresentação do plano, seus princípios e metodologias foi focada no sector dos passageiros, mas é necessário não esquecer o papel fundamental da ferrovia no transporte de mercadorias, quer na sua vertente de motor de desenvolvimento, nomeadamente dos portos nacionais, quer no seu potencial na redução de emissões. Aliás, o potencial de redução de emissões da ferrovia de mercadorias é até bem superior ao que se passa nos passageiros... É de esperar que este seja um aspeto que venha a ser corrigido ao longo deste processo que decorre desde agora até ao final do ano.

A apresentação do Plano Ferroviário Nacional está disponível aqui: https://adfersit.pt/docs/apresentacao-plano-ferroviario-nacional.pdf

Investimentos incluídos no Programa Nacional de Investimentos 2030 aqui: https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3d%3dBQAAAB%2bLCAAAAAAABAAzNDCztAAAjDIorAUAAAA%3d

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal