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O valor da arte

A arte contemporânea não agrada a todos. Por que motivos? E que valor tem essa arte? Neste texto, José Carlos Pereira introduz o ensaio «O valor da arte»
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Muitos consideram a arte contemporânea desprovida de qualidade. Sobretudo do tipo de qualidade que identificam na arte clássica, renascentista ou moderna. Mas será que a arte contemporânea tem valor? E de que forma é esse valor calculado? José Carlos Pereira introduz o tema do seu novo ensaio.

Em princípio, ninguém põe em causa o valor da arte. Porém, quando nos questionamos acerca desse valor, frequentemente surgem dúvidas e hesitações. Diante da arte contemporânea, muita gente se pergunta se alguns objectos, aparentemente mais “estranhos”, serão arte.

Ultrapassado o ciclo da imitação, isto é, a representação dos elementos da natureza através de uma linguagem artística, a identificação dos referentes tornou-se uma tarefa mais “codificada”. A arte tem as suas gramáticas, os seus códigos e linguagens, que a autonomizam em relação à natureza, mesmo que, num primeiro olhar, possamos estabelecer uma relação entre uma pintura de paisagem e o trecho da natureza que o pintor eventualmente seleccionou como objecto, ou ponto de partida, dessa mesma pintura. Ainda assim, como demonstrou Magritte na célebre pintura, Ceci n´est pas une pipe, um cachimbo representado numa pintura não nos deve levar a confundir esse signo visual com o referente, ou seja, o objecto físico e material que é utilizado para fumar.

Agregada à  pergunta, mais ou menos legítima — “o que é arte?”— surge normalmente uma segunda questão: “como sei que estou na presença de uma obra de arte?” Se no caso da arte antiga, e até por razões institucionais, essa dúvida não se coloca, na arte contemporânea é bastante frequente. Aqui, impõe-se uma reflexão de natureza histórica e crítica, isto é, o  possível “afastamento” da arte contemporânea dos referentes visíveis e exteriores à sua própria “natureza”, enquanto prática plástica, poderá encontrar resposta na necessidade de investigar e aprofundar os códigos que caracterizam essa mesma prática como arte, e não como aquilo que ela nunca foi, a saber, decoração ou actividade panfletária, mesmo se instrumentalizada a tal desígnio. Ao mesmo tempo, e ultrapassando um aparente paradoxo, a arte é sempre política, no sentido em que propõe um outro modo de ver, apreender e conceber o mundo.

Os mais cépticos em relação à arte contemporânea apelidam-na de “desumana”, pois consideram que não está ao serviço do homem, segundo uma concepção mais ou menos humanista, ou tradicional, dirão outros. Na verdade, a complexidade do fenómeno artístico parece contrariar esse cepticismo.

No século XX, recrudesceu a consciência de que uma pintura é, antes de mais, uma superfície mais ou menos plana onde o artista dispõe um conjunto de tintas, ou de que uma escultura é antes de tudo uma “espacialidade”. Essa consciência converteu simultaneamente a arte num modo de questionamento da sua “essência” e dos seus limites, utilizando inclusive códigos verbais para melhor evidenciar essa dimensão “mental”, já para não falar das experiências viabilizadas pelos novos media e pela contaminação entre as várias expressões artísticas. Quando o filósofo americano Arthur Danto retomou o tema da “morte da arte” estava justamente a alertar para a necessidade de uma outra “inteligibilidade” face à arte contemporânea, a qual requer o domínio dos seus “jogos de linguagem”, assumindo como limite dessa inteligibilidade o próprio “mundo da arte”.

Os mais cépticos em relação à arte contemporânea apelidam-na de “desumana”, pois consideram que não está ao serviço do homem, segundo uma concepção mais ou menos humanista, ou tradicional, dirão outros. Na verdade, a complexidade do fenómeno artístico parece contrariar esse cepticismo, pois que, por exemplo, a dimensão lúdica, performativa, e mesmo política, inerente a várias obras contemporâneas, visa “acolher” directamente o espectador, reconceptualizando as relações entre sujeito e objecto. Por outro lado, estas relações não são hoje de mera contemplação estética, exigindo-se ao espectador um trabalho de “activação” dos objectos, trabalho que corresponde, de maneira mais ou menos consciente, ao espírito do nosso tempo, ou de um tempo próximo, dado o poder “antecipador” da arte.

Se a globalização cultural é hoje inequívoca, este facto deve constituir o ponto de partida para a efectiva consciência de que uma experiência estética “autêntica” contribui para a revelação, ou a construção, do sentido da existência no século XXI, contrariando estratégias comerciais e promocionais hegemónicas, e garantindo, no limite, a validade e a legitimidade antropológicas da própria arte. Neste contexto, as políticas públicas ganham redobrada responsabilidade, sendo seu o dever de respeitar a multiculturalidade e a pluralidade, enquanto valores inalienáveis de uma sociedade democrática.

O ensaio «O valor da arte» vai ser apresentado no dia 26 de Outubro.
O livro pode ser adquirido através da loja online da Fundação, com desconto imediato de 10% e portes de envio gratuitos.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

Portuguese, Portugal