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Em democracia, é normal os políticos nomearem «boys» para a Administração Pública

Em democracia, é normal os políticos nomearem «boys» para a Administração Pública

Excerto do livro «Jobs for the Boys: As Nomeações para a Administração Pública», da cientista política Patrícia Silva.
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À vista desarmada, as nomeações são, realmente, todas iguais. Pelo menos, se nos deixarmos ficar pelos títulos de notícias, mais e menos recentes. «Jobs for the boys». «A dança das cadeiras». «Boycracia». «Assalto ao Estado». Estes títulos têm em comum o facto de atribuírem uma conotação negativa às nomeações. De forma geral, sinalizam a existência de favoritismo concedido a amigos, a familiares, a conhecidos — ou, se preferir, aos boys (e girls) dos partidos — a quem os políticos oferecem empregos na administração pública.

A intervenção partidária na nomeação de dirigentes para a administração pública é amplamente contestada, e é considerada um dos principais vilões da governação. Os comentários nos jornais online podem ser um espaço pouco recomendável, mas são um termómetro perfeito desta questão. Qualquer notícia sobre nomeações — independentemente das linhas editoriais dos jornais — tende a ser inundada de observações sobre a ocupação ou captura das estruturas do Estado pelos partidos políticos. E se já sabíamos que, para boa parte das pessoas, os partidos são todos iguais, são poucas as que identificam traços distintos nas nomeações.

Assim, as nomeações são vistas como sintoma de uma máquina estatal com problemas de saúde: uma estrutura ampla, com reduzida capacidade e competência e, inversamente, elevados níveis de politização e partidarização. Se pudermos utilizar uma metáfora da saúde, poderíamos dizer que as nomeações para a administração pública são como o colesterol elevado: um factor de risco para o bom funcionamento do coração da máquina administrativa. Contudo, como a investigação médica tem demonstrado, o colesterol não é necessariamente mau.

O cientista político E. E. Schattschneider defendeu, na sua famosa obra Party Government (1942), que a democracia representativa deve a sua existência aos partidos políticos. Os partidos mobilizam o eleitorado, a quem apresentam alternativas políticas. Além disso, agregam e representam os interesses da sociedade, procurando convertê-los em decisões políticas. A legitimidade do sistema democrático assenta na premissa de que as funções de decisão e de implementação de  políticas são controladas por partidos políticos que foram escolhidos pelo eleitorado. Sem esta ligação, o funcionamento eficiente da democracia representativa enfrentaria consideráveis dificuldades. Neste contexto, as nomeações para a administração pública são um mecanismo essencial do processo de delegação de competências entre os partidos e a administração pública. As nomeações são um instrumento crucial no funcionamento da estrutura do Estado, ao permitirem  articular as preferências políticas das estruturas governamentais com as da máquina administrativa responsável pela sua implementação.

Os problemas políticos contemporâneos exigem uma administração pública competente, legítima e profissionalizada, ao passo que a polarização política e partidária e a mediatização dos temas impelem partidos e políticos a procurar actores em quem possam depositar a sua confiança e lealdade políticas. Assim, é difícil encontrarmos um contexto democrático em que os actores políticos não procuram controlar a administração pública, socorrendo-se das nomeações. Embora, do ponto de vista formal, todas as nomeações sejam iguais, é nas suas motivações e nas funções a que estão associadas — nem sempre totalmente visíveis a olho nu — que reside a diferença fundamental que este ensaio pretende explorar. Não julgue, assim, o livro pela capa — nem as nomeações pelas gordas dos jornais.

Patrícia Silva é autora do livro «Jobs for the Boys: As Nomeações para a Administração Pública», publicado pela Fundação e disponível na loja online.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pela autora.

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