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Entrevista GPS #50: «As moléculas orgânicas são fundamentais para o nosso modo de vida»

Entrevista a Nuno Maulide, Professor Catedrático de Química Orgânica na Universidade de Viena.
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Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

A nossa investigação prende-se com a síntese de moléculas orgânicas, isto é, moléculas que são compostas essencialmente por átomos de carbono e hidrogénio. As moléculas orgânicas são fundamentais para o nosso modo de vida: a esmagadora maioria dos medicamentos que tomamos quando estamos doentes, os têxteis com que nos vestimos, os cosméticos e produtos de higiene e limpeza que utilizamos, os materiais de que são feitos os nossos smartphones ou os painéis solares de maior eficiência – todos são compostos de moléculas orgânicas e a lista podia alongar-se quase ad infinitum. O problema é que a maioria destas moléculas são sintetizadas usando reacções que geram por vezes muitos produtos secundários – o nosso grupo procura, pois, desenvolver reacções mais eficientes e com menos “lixo”.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

A síntese de uma molécula de estrutura complexa, com uma função valiosa (por exemplo: um promissor novo agente anti-cancro com elevada selectividade), pode ser comparada com a concepção e construção de uma casa. Há que decidir: que tipo de tijolos vamos utilizar? Que portas e que janelas vamos escolher? Em que sequência construimos a casa? Há também muita liberdade do ponto de vista estético e, porque estamos em ambiente académico, onde é fundamental questionar paradigmas e desafiar dogmas instalados. A imaginação é o limite. Ninguém nos impede de tentar construir a casa começando pelo telhado ou usando apenas três blocos pré-fabricados ou misturar elementos de estética Vitoriana com uma estrutura do século XXI: um exercício fascinante de criatividade e persistência!

O que talvez falte no nosso país é uma estratégia coerente de desenvolvimento que seja independente do poder político, aliada a um plano e perspectiva de carreira.

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

Em 2001, ainda estudante de Licenciatura no Técnico, comecei a aperceber-me de que poderia ser muito útil realizar o trabalho final de curso no estrangeiro para obter outras perspectivas da minha área de predilecção, a Química Organica. Os caminhos que segui até acabar por realizar dois períodos consecutivos de seis meses na Suíça e depois na Bélgica davam um romance (risos). O mais inesperado que encontrei no grupo de investigação a que me juntei como estudante Erasmus na Bélgica foi um ambiente de investigação muito dinâmico e entusiasmante, com muitos estudantes de doutoramento e mais de 30 projectos de pesquisa diferentes. Até hoje não terei visitado outro grupo de pesquisa em Quimica com tamanha diversidade de temas – a prática corrente em ciência é as pessoas especializarem-se em determinados sub-domínios de uma (sub)disciplina, mas essa não era de todo a abordagem que o meu orientador de Erasmus (Prof. István Markó, que viria a ser também o orientador de Doutoramento, na Universidade Católica de Louvain, entretanto falecido em 2017) preferia. E quando a investigação é bem feita, é mesmo assim – as pessoas devem ter liberdade para escolher o caminho que pretendem trilhar independentemente do que seja o habitual ou standard.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Há pessoas excelentes a fazer investigação em condições relativamente complicadas em Portugal, sobretudo na área da Química. O que talvez falte no nosso país é uma estratégia coerente de desenvolvimento que seja independente do poder político, aliada a um plano e perspectiva de carreira que permitam aos investigadores realmente poderem abraçar projectos de alto risco com alguma segurança em termos pessoais.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

A rede GPS é um conceito inovador que procura mapear e interligar os investigadores portugueses fora do país. Este levantamento é muito importante, até porque na realidade nao sabemos quantos são, onde estão e o que fazem. É uma plataforma com enorme mais-valia porque este mapeamento e interacção entre investigadores portugueses de outra forma não seria possível.

Consulte o perfil de Nuno Maulide no GPS-Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor"

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Portuguese, Portugal