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Precisamos de falar sobre o nosso sistema de pensões

Artigo publicado originalmente no jornal Público no Dia Mundial da Segurança Social em 2019.
5 min
«A voragem política e mediática que se seguiu [à apresentação do estudo sobre o Sistema de Pensões] impediu um debate mais informado (e proveitoso) [...]. O estudo torna claro que o pagamento das pensões não está em causa. O que está em causa é o montante que será necessário alocar.»

No dia 12 de Abril, a Fundação Francisco Manuel dos Santos lançou um estudo sobre a Sustentabilidade Financeira e Social do Sistema de Pensões, que tive a honra de coordenar. A voragem política e mediática que se seguiu impediu um debate mais informado (e proveitoso) sobre o sistema de pensões português. Pretende-se com este artigo recolocar este debate nos seus devidos termos.

Antes disso, importa clarificar um conjunto de equívocos. Este estudo não foi realizado com o intuito de assustar os portugueses sobre a capacidade de o Estado honrar o pagamento das pensões no futuro. Pelo contrário, o estudo torna claro que o pagamento das pensões não está em causa. O que está em causa é o montante que será necessário alocar, em termos de transferências do Orçamento do Estado, para satisfazer este compromisso.

Este estudo também não pretende (de forma direta ou subliminar) advogar a privatização do sistema de pensões. Pelo contrário, o estudo desaconselha a adoção de um sistema de pensões similar ao sueco, que envolveria a obrigação dos indivíduos constituírem um plano de poupança reforma privado, na medida em que o mesmo implicaria reduções significativas do valor das futuras pensões.

Finalmente, o estudo não excluiu de forma propositada qualquer cenário potencial de reforma. A escolha dos cenários de reforma que foram analisados refletiu motivos de natureza metodológica e substantiva. Assim, foram privilegiados cenários de reforma que se focavam nos parâmetros do sistema (valor das contribuições, a taxa de formação das pensões, o acesso à idade de reforma, etc.), que o nosso modelo está especialmente desenhado para analisar. De fora ficaram cenários (como aumentar a fertilidade, atrair imigrantes ou encontrar fontes alternativas de financiamento) que, por dependerem de fatores externos ao sistema, seriam de mais difícil análise com o nosso modelo. A análise do impacto da introdução do sistema sueco justifica-se pelo facto de o mesmo ter sido sugerido por um relatório do FMI (em 2013) e de inspirar (de forma mais ou menos explícita) os programas eleitorais recentes de alguns partidos portugueses.

Feitos estes esclarecimentos, vamos então às principais contribuições deste estudo. Em primeiro lugar, este é o primeiro estudo em Portugal que alarga o debate sobre a sustentabilidade do sistema de pensões à sua componente social. O valor acrescido do nosso modelo reside na capacidade de avaliar os efeitos redistributivos do sistema de pensões em dimensões críticas como a adequação das futuras pensões, ou a capacidade das pensões protegerem os futuros pensionistas contra quebras abruptas de rendimento ou contra o risco de pobreza. De ora em diante, não há desculpas para discutirmos a questão da sustentabilidade do sistema de pensões apenas a partir da sua vertente financeira.

A segunda contribuição, que surpreendentemente mereceu pouca atenção, é a demonstração das limitações das atuais projeções institucionais sobre a sustentabilidade financeira do sistema de pensões. A cada três anos, a Comissão Europeia organiza um estudo (Ageing Report) sobre o impacto do envelhecimento demográfico nas finanças públicas dos Estados-membros. É com base neste exercício que, por altura da aprovação do Orçamento do Estado, as autoridades portuguesas publicam estimativas sobre a sustentabilidade da segurança social.

Como fica claro no nosso estudo, as projeções da Comissão Europeia baseiam-se num conjunto de pressupostos macroeconómicos (nomeadamente ao nível do crescimento da produtividade do trabalho) bastante otimistas, e que não refletem adequadamente o desempenho económico da economia portuguesa nas últimas duas décadas. Como também tivemos oportunidade de demonstrar, se não se cumprirem esses pressupostos o custo do sistema de pensões para o Orçamento do Estado deverá aumentar de forma significativa para valores entre os 4% e 5% do PIB, entre 2050 e 2070. Neste sentido, o estudo recomenda a necessidade de o Estado português criar um mecanismo de avaliação da sustentabilidade do sistema de pensões que seja independente – quer nos seus objetivos, quer nos seus pressupostos metodológicos – do exercício levado a cabo pela Comissão Europeia.

Uma terceira contribuição do estudo é a demonstração do papel do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) na promoção da sustentabilidade financeira do sistema de pensões. Como fica demonstrado no nosso estudo, o impacto dos diferentes cenários de reforma depende (em grande parte) da sua capacidade de potenciar o papel do FEFSS em cobrir potenciais défices no sistema. Neste sentido, estratégias de reforma que privilegiam o aumento das receitas do sistema serão as mais eficazes em potenciar o efeito do FEFSS. Por outro lado, as estratégias de reforma assentes na redução de futuros benefícios demonstram uma menor capacidade de potenciar o papel do FEFSS como estabilizador financeiro do sistema. Em face destes resultados, o estudo recomenda que se faça uma reflexão séria sobre a forma como é regulado o funcionamento do FEFSS, quer ao nível das receitas que lhe deverão ser alocadas, quer ao nível de como os seus recursos deverão ser utilizados.

Como fica demonstrado nos parágrafos anteriores, as principais contribuições deste estudo resultam do carácter inovador do modelo que desenvolvemos ao longo destes últimos quatro anos. Esta ferramenta foi criada por uma equipa de investigadores do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa em colaboração com um conjunto de instituições públicas – o Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, a Direção-Geral da Segurança Social e o Conselho das Finanças Públicas – que, para este efeito, disponibilizaram recursos humanos, dados e expertise técnica.

Este modelo está agora à disposição destas instituições e da comunidade académica em geral, podendo ser utilizado quer para fins de investigação, quer para o planeamento de políticas na área das pensões. O aproveitamento das múltiplas potencialidades desta ferramenta vai obviamente depender da capacidade desta equipa de investigadores de manter o modelo continuamente atualizado – o que exige acesso a dados e à expertise técnica que apenas as nossas instituições parceiras possuem.

Esperamos, a bem do país, que todos saibamos aproveitar as oportunidades que esta ferramenta nos oferece.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Portuguese, Portugal