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A presidência de proximidade «corresponde a uma necessidade real do eleitorado português»

A presidência de proximidade «corresponde a uma necessidade real do eleitorado português»

Artigo de Frederico Ferreira da Silva, doutorando em ciência política no Instituto Universitário Europeu
4 min
«Nas suas decisões eleitorais, os cidadãos valorizam mais traços dos candidatos ligados à empatia e à afectuosidade do que traços associados à competência.»

 

Entre viagens de camião pela EN1 Lisboa-Porto, telefonemas em directo para programas de televisão com mensagens de apoio e as famosas “Marcelfies”, a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa tem sido pouco ortodoxa, quer pela ubiquidade do Presidente, quer pela grande proximidade junto do eleitorado que lhe tem valido o rótulo de Presidente dos afectos. Mas de que forma isto se relaciona com a sua eleição em 2016?

A eleição de Marcelo Rebelo de Sousa pode ser enquadrada dentro do fenómeno de personalização das democracias ocidentais. Inerente ao conceito de personalização da política está a noção de que, ao longo das últimas décadas, os actores políticos individuais se têm vindo a tornar mais importantes, ao passo que os partidos e as identidades colectivas perderam grande parte da sua relevância na política contemporânea. Não será difícil imaginar exemplos deste fenómeno se pensarmos no contexto actual, em que as campanhas políticas se centram fundamentalmente nos candidatos e a atenção mediática se foca tanto nas personalidades políticas, incluindo aspectos da sua vida pessoal.

A personalização da política é atribuível a diversos factores, mas no contexto português, e em particular para a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa, importa destacar dois: o papel da televisão enquanto principal fonte de informação política e o desalinhamento partidário do eleitorado português.

A televisão tem características que favorecem uma concentração nos indivíduos em detrimento de ideias abstractas, ideologias ou a discussão de assuntos complexos. A sua forte componente visual chama a atenção dos telespectadores para a imagem, mais do que para o conteúdo da mensagem verbal.

Vários estudos de comunicação política demonstram que a televisão, enquanto meio de comunicação audiovisual, tem características que favorecem uma concentração nos indivíduos em detrimento de ideias abstractas, ideologias ou a discussão de assuntos complexos. A sua forte componente visual chama a atenção dos telespectadores para a imagem, mais do que para o conteúdo da mensagem verbal. Neste sentido, a telegenia tornou-se um factor fundamental nas aspirações de qualquer candidato a eleições. Dada a importância da televisão na política actual, o espaço de comentário político em prime time ocupado por Marcelo durante cerca de 15 anos constituiu um trunfo fundamental para a sua eleição. Contudo, para isso também foi decisiva a sua capacidade de tirar partido dessa oportunidade, adoptando um discurso pedagógico e com linguagem acessível à generalidade dos portugueses, permitindo-lhe comunicar habilmente com sectores diversos do eleitorado, revelando conforto na relação com as câmaras e, ocasionalmente, uma capacidade de entretenimento invulgar nos políticos tradicionais. Aliada à larga experiência política, a sua presença mediática – que começou muito antes de ter um espaço de comentário televisivo – permitiu-lhe desenvolver competências de comunicação política acima da média e construir uma apreciável relação de familiaridade com o público.

Em Portugal essas vantagens sobressaem ainda mais, já que grande parte do eleitorado (quase 50% em 2015, segundo o último inquérito pós-eleitoral, conduzido pelo ICS-UL) declara não se identificar com nenhum partido político. Estes indivíduos, porque carecem de referenciais ao nível dos partidos que orientem as suas escolhas eleitorais, são mais susceptíveis de basearem as suas decisões nas avaliações que fazem dos candidatos, da sua personalidade e características pessoais. Em suma, como geralmente se diz, possivelmente votarão mais numa pessoa do que num partido.

Numerosos estudos no âmbito da psicologia política dedicaram-se a analisar precisamente que aspectos dos candidatos são mais valorizados pelos cidadãos nas suas escolhas eleitorais. Em dois estudos que realizei em colaboração com Patrício Costa (FPCEUP), comparando sete democracias europeias (incluindo Portugal), concluímos que, nas suas decisões eleitorais, os cidadãos valorizam mais traços dos candidatos ligados à empatia e à afectuosidade do que traços associados à competência. Isto é, a capacidade dos candidatos em estabelecer relações de empatia com o eleitorado pode ser decisiva para conquistar votos. Mais ainda, os eleitores sentem-se também mais motivados a participar eleitoralmente – em vez de se abster – quando sentem essa empatia com um candidato.

Ainda que por vezes passível de crítica por eventualmente conduzir a uma dessacralização do cargo, o estilo de presidência de proximidade – manifesto em pequenos gestos sem grande relevância prática mas que, por revelarem o lado humano, terreno ou mundano do Presidente, adquirem um elevado significado simbólico junto dos eleitores – corresponde a uma necessidade real do eleitorado português. Não descurando a competência que lhe é eventualmente reconhecível, Marcelo soube potenciar as suas qualidades pessoais de modo a capitalizar nessa dimensão afectiva, em nítido contraste com a personalidade e estilo do seu antecessor. A sua vitória nas presidenciais e a contínua popularidade que mantém junto dos portugueses resultam, em grande medida, dessa virtude.

Frederico Ferreira da Silva é doutorando em ciência política no Instituto Universitário Europeu, em Florença, onde desenvolve uma tese sobre o impacto no comportamento eleitoral das avaliações que os eleitores fazem dos líderes partidários. Descubra o seu perfil no GPS-Global Portuguese Scientists.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal