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Entrevista GPS #11: «Em Portugal temos investigadores excelentes, não devemos ter complexos»

Entrevista GPS #11: «Em Portugal temos investigadores excelentes, não devemos ter complexos»

Entrevista a Pedro Duarte, biólogo marinho que desde 2013 trabalha como investigador no Instituto Polar da Noruega.
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Nascido em Lisboa, Pedro Duarte está a desenvolver investigação em biologia marinha na Noruega, onde tem condições de trabalho que não encontrou em Portugal. Esta entrevista foi realizada no âmbito do GPS - Global Portuguese Scientists.

 

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Eu sou biólogo marinho e trabalho sobre os ecossistemas do Oceano Glacial Ártico, em particular aqueles associados às massas de gelo que cobrem parte importante do mesmo. O meu trabalho envolve cruzeiros oceanográficos, recolhas de amostras de água e de amostras de gelo, mergulho científico debaixo das placas de gelo e algum trabalho laboratorial. A minha especialidade é o desenvolvimento de modelos matemáticos para prever a evolução dos ecossistemas face a diversas alterações, tais como o aquecimento global e a diminuição do gelo no Ártico. Nos países que rodeiam o Ártico há muitas preocupações quanto ao seu futuro e quanto ao uso que será feito dele num cenário em que poderá ser completamente navegável durante parte do ano, devido ao desaparecimento do gelo.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

O mais entusiasmante é descobrir algo novo. Sempre que a minha compreensão aumenta sobre qualquer fenómeno relacionado com as minhas pesquisas, o entusiasmo que sinto é indescritível. Penso que é esse entusiasmo da descoberta que mantém os cientistas tão empenhados no seu trabalho, que nos tira o sono e nos coloca num estado de euforia viciante. A sensação de fazer algo útil também é importante. Com o aquecimento global podemos perder o Ártico que conhecemos em menos tempo do que supomos e, se tal acontecer, é bom saber que ainda o vimos como ele era e que tentámos fazer algo para que assim continuasse. Na verdade, todos nós devemos estar preocupados com o Ártico, pois as alterações climáticas sentem-se aqui mais intensamente do que noutro qualquer lugar da Terra e aceleram o que se passa no resto do planeta. Para além disso, ter a oportunidade de visitar alguns dos lugares mais remotos do planeta, observar as formas de vida do grande norte, desde o plâncton que se deixa levar pelas correntes marinhas sob as placas de gelo, imerso em água gelada e de um azul profundo, às focas que dormem sobre o gelo, aos ursos polares que nos obrigam a manter vigilantes, até à poderosa baleia azul, não esquecendo o espectáculo da queda das paredes dos glaciares no Verão, massas imensas de gelo de dezenas de metros de altura que se desmoronam com estrondo, em lugares vibrantes de vida… é um privilégio de que poucos se podem gabar.

Penso que em Portugal temos investigadores excelentes em muitas áreas. Não creio que tenhamos de ter complexos em relação a outros países.

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

O motivo que me levou a emigrar foi económico. A crise que nos atingiu com tanta força nos últimos anos fez-me temer pelo futuro e decidi mudar de vida enquanto ainda não era demasiado velho para tal. Felizmente, tive oportunidade de arranjar trabalho dentro das minhas competências como resultado da experiência de investigação científica que acumulei ao longo da minha vida em Portugal. O que encontrei de mais inesperado na Noruega… não posso dizer que a abundância de recursos materiais para trabalhar fosse inesperada neste que é um dos países mais ricos do Mundo, mas foi algo inesperada a descoberta de uma realidade totalmente diferente no que respeita às relações laborais. Este é um país onde os sindicatos têm uma força tremenda que parece ser usada menos para preencher alguma agenda política e mais para melhorar as condições dos trabalhadores. É um país que se tornou rico com a descoberta de importantes jazidas de petróleo mas que teve políticos inteligentes que souberam distribuír essa riqueza de uma forma equilibrada pela população. Trabalho numa instituição em que a relativa abundância de recursos financeiros não é sinónimo de despesismo, sendo o dinheiro empregue com sobriedade e eficiência. Encontrei uma cultura que parece ter aversão ao conflito, que é evitado a todo o custo, e que parece aceitar muito bem a diversidade cultural. 

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Faço uma apreciação muito positiva. Penso que em Portugal temos investigadores excelentes em muitas áreas. Não creio que tenhamos de ter complexos em relação a outros países. Naturalmente que sendo Portugal um país relativamente parco de recursos não há um investimento em investigação comparável ao feito nos países mais ricos. A possibilidade de participar em projectos europeus veio diminuir um pouco essa desvantagem, pois todos os investigadores da área abrangida pelo Concelho Europeu de Investigação têm acesso aos mesmos fundos. No entanto, as infra-estruturas e os financiamentos nacionais ficam geralmente aquém das suas congéneres noutros países mais ricos. Assiste-se frequentemente às dificuldades de tesouraria de universidades e institutos que se refletem também no trabalho de pesquisa feito no nosso país.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

Confesso que ainda não explorei a fundo o site mas aprecio em particular as ferramentas de pesquisa geográfica que permitem localizar facilmente portugueses pelo mundo. Aprecio também a ideia de podermos usar o site como um fórum para divulgar o nosso trabalho.

Consulte o perfil de Pedro Duarte no GPS – Global Portuguese Scientists.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Autor
Portuguese, Portugal