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Imagem da entrevista a Sara Falcão Casaca

As mulheres são nomeadas para as administrações, mas sobretudo para cargos sem decisão

A lei das quotas para mulheres nas administrações tem ajudado a combater a desigualdade laboral. Mas não chega, defende Sara Falcão Casaca, professora do ISEG e investigadora do SOCIUS. No Dia Internacional da Mulher, a especialista diz que a medida, hoje aplicada às empresas públicas e às cotadas em bolsa, deve ser alargada a mais empresas e garantir uma quota de 40% em cargos de decisão, em vez dos atuais 33,3%.
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Em Portugal, as mulheres continuam a ser as mais afetadas pelo desemprego e precariedade laboral. O que é que tem contribuído para este cenário? Que medidas concretas são necessárias para reverter esta tendência? 

A precariedade laboral tem particular expressão em Portugal, afetando homens e mulheres e fundamentalmente estas… sobretudo nas faixas mais jovens. A maior vulnerabilidade das mulheres à precariedade, à menor qualidade do emprego em geral e ao desemprego decorre de desigualdades estruturais em função do género.  

Pese embora celebrarmos 50 anos de Liberdade, prevalece o estereótipo de que o papel de principais provedores cabe aos homens, enquanto as mulheres são as primordiais cuidadoras.  

A sua participação laboral é entendida como secundária face à dos homens. Por isso, não raras vezes são as primeiras a serem dispensadas, estando mais representadas do que os homens no segmento periférico – ou secundário – do mercado de trabalho.  

À luz de uma perspetiva interseccional, que atende ao entrecruzamento da dimensão de género com outras estruturas de desigualdade, podemos observar que as mulheres imigrantes e afrodescendentes – para citar alguns exemplos – são particularmente vulneráveis do ponto de vista laboral. 

Se considerarmos que a remuneração integra também prémios e subsídios regulares, observa-se que a diferença entre homens e mulheres foi de 16,2%, em 2022.

Em 2022, a diferença entre o salário médio das mulheres e dos homens era de 13,4%. Este «gap» tem diminuído, mas o país ainda está longe de atingir a igualdade salarial. O que falta fazer?  

Esse valor refere-se estritamente à remuneração base. Mas, o direito à igualdade salarial não se restringe à remuneração base, de acordo com Convenção da OIT n.º 100. Se considerarmos que a remuneração integra também componentes complementares como prémios e subsídios regulares – a chamada remuneração ganho – observa-se que a diferença foi de 16,2%, em 2022. Não diminuiu em relação ao ano anterior.  

No ISEG, a partir de uma análise econométrica, temos demonstrado o seguinte: quando controlamos as diferenças que possam existir nas características de mulheres e de homens e comparamos exatamente as remunerações de mulheres e de homens com o mesmo nível de escolaridade, idade e antiguidade na empresa, o diferencial é ainda superior. Foi de 19%, em 2021, último ano em que há dados disponíveis. 

Acabar com este «gap» salarial é um processo lento por si próprio? 

Tem sido, mas é preciso acelerar a sua eliminação. A Lei n,º 60/2018 [que promove a igualdade salarial, exigindo transparência, fiscalização e prestação de contas] e a futura transposição da diretiva europeia podem ajudar nesse sentido.  

Depois, importa garantir a respetiva efetividade e trabalhar articuladamente com todos os atores relevantes, incluindo organismos públicos com competências no acompanhamento da lei, empresas, parceiros sociais, sistema judicial, instituições de ensino, entre outros.

Sem a lei das quotas permaneceríamos com uma representação de mulheres muito tímida e muito abaixo da média da União Europeia.  

A lei prevê uma quota de mulheres no setor público empresarial e nos conselhos de administração das empresas cotadas em bolsa. Que balanço faz desta medida? É este o melhor caminho para garantir maior igualdade? 

Essa lei permitiu a recomposição dos órgãos de gestão no sentido de um maior equilíbrio entre mulheres e homens. Sem ela permaneceríamos com uma representação de mulheres muito tímida e muito abaixo da média da União Europeia.  

Em poucos anos (a Lei entrou em vigor em 2018), superámos essa média. O progresso desenrolava-se a passo de caracol antes disso.  

Mantém-se, no entanto, no caso das cotadas uma diferença assinalável entre a presença de mulheres em cargos não executivos e em cargos executivos [que deve ser de 33,3% em ambos os casos].  

Têm, na verdade, sido essencialmente nomeadas para os primeiros. Em 2022, havia 41,2% de mulheres em cargos não executivos nas empresas cotadas, mas apenas 19,7% em cargos executivos, de acordo com dados da Decision-making database/EIGE. 

Creio que está na altura de uma maior ambição: alargar a obrigação de limiares mínimos de paridade – ou seja, 40% – a todas as grandes empresas (para já… e depois estender às que têm 100 ou mais trabalhadores e trabalhadoras ao serviço) e definir esses limiares tanto para cargos executivos como para não executivos. 

As políticas públicas de combate à desigualdade laboral têm em conta outro tipo de discriminação com base na etnia, orientação sexual ou deficiência? 

A discriminação é uma violação dos direitos e a lei reconhece-o. A Estratégia Nacional para a Igualdade e a não Discriminação, através dos respetivos planos, abrange medidas que procuram contrariar essas discriminações.

Mas existem outras estratégias. É o caso, por exemplo, da estratégia para a inclusão de pessoas com deficiência. É urgente a articulação entre elas para uma maior eficácia no combate às discriminações múltiplas. 

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